A profissão de fé da tolerância, os ditames de uma vida laboriosa, utilitária e honesta, avessa às aventuras, ao quixotismo, e aos sobressaltos de uma ação orgulhosa e cavalheiresca, são os sintomas do novo ideário que se anuncia nos albores da época moderna. O sentido da vida é dado pelos ethos do trabalho, da transformação da natureza, pela descoberta de aparatos que permitam a afirmação do homem empírico e de sua concepção da existência. Essa concepção nasce do projeto de diluição de todas as formas e instituições que configuravam a estrutura feudal da História. Na dialética do senhor e do escravo, o servo, isto é, o futuro homem livre, se apresentava como o instrumento do senhor, subordinado às finalidades econômicas da classe dominante. A única forma de redenção do servo era o trabalho e através deste empreendeu a sua marcha histórica. Em última análise, não existe uma ética burguesa independente das condições da proficiência do próprio trabalho. Todas as condições impostas à vida, às liberdades franqueadas ao cidadão burguês, formavam um sistema de segurança de um orbe humano que havia se afiançado no terreno da luta social, pela vindicação de suas qualidades econômicas próprias. Essa subordinação inicial do mundo dos valores aos ditames da utilidade econômica é o ponto de partida dessa progressiva cientifização dos usos e costumes que tem o seu apogeu na constituição da ordem socialista. Se tudo é passível de uma reelaboração técnico-científica, se não existe um mundo de formas substanciais e de modelos valiosos de ação, então tudo pode ser matéria de uma manipulação indefinida e de um projeto industrial universal. (FERREIRA DA SILVA, Vicente. Transcendência do Mundo. São Paulo: É Realizações, 2010, p. 205-206)
Ferreira da Silva: ethos do trabalho
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