Os desejos e estados louvados: — tranquilo, justo, módico, modesto, respeitoso, atencioso, valente, casto, honesto, fiel, crente, franco, confiante, abnegado, compassivo, solícito, consciencioso, simples, suave, justo, generoso, indulgente, obediente, desinteressado, sem inveja, bondoso, trabalhador –
Deve-se distinguir: em que medida semelhantes características são requeridas como meios para uma determinada vontade e para um determinado fim (frequentemente, um “mau” fim) — ou como consequências naturais de um afeto dominante (por exemplo, espiritualidade) — ou expressão de uma necessidade, quer dizer: como condição de existência (por exemplo, cidadão, escravo, mulher etc.).
Em suma: eles não são, todos, sentidos como bons por si mesmos, mas antes já sob a bitola da “sociedade” (Gesellschaft), do “rebanho” (Heerde) como meios para os seus fins, como necessários para as manutenções e os fomentos, ao mesmo tempo como consequência de um genuíno instinto de rebanho no indivíduo, portanto a serviço de um instinto, que é fundamentalmente distinto daqueles estados virtuosos: pois, em relação ao que está fora, o rebanho é hostil, egoísta, impiedoso, totalmente despótico, desconfiado etc.
No “pastor” é que vem à luz o antagonismo: ele deve ter as características opostas às do rebanho.
Inimizade mortal do rebanho à hierarquia: seu instinto é favorável ao nivelador (Cristo); em relação aos indivíduos fortes (les souverains)* ele é hostil, injusto, imoderado, imodesto, insolente, brutal, covarde, mentiroso, falso, impiedoso, dissimulado, invejoso, vingativo.
(Excerto de NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Tr. Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p. 164)