Zahavi (FI:13-14) – fenômeno e aparição

Comecemos com uma primeira explicitação do conceito fenomenológico de fenômeno. Literalmente, fenomenologia significa a ciência dos fenômenos. Mas o que se precisa compreender, então, pela palavra fenômeno? Na linguagem corrente, ela costuma ser usada em oposição a outros conceitos: fenômeno versus essência, fenômeno versus efetividade física. O fenômeno é o modo como se mostra o objeto imediatamente, como ele é aparente. Caso se siga essa compreensão usual, então é natural afirmar que se precisaria ultrapassar o meramente fenomenal, a fim de poder descobrir o que o objeto é em verdade. O fenômeno seria, então, como o objeto nos aparece, como ele se apresenta à nossa visão, não como ele é em si mesmo. Se a fenomenologia empregasse, então, tal conceito de fenômeno, ela não seria outra coisa senão uma ciência do meramente subjetivo, aparente e superficial. Todavia, ela não é isso de maneira alguma. Como Heidegger expõe minuciosamente no § 7 de Ser e tempo, é preciso compreender o fenômeno como o modo de aparição do próprio objeto. O fenômeno é aquilo que se mostra por ele mesmo – o que se manifesta, o que se revela. De maneira completamente geral, portanto, a fenomenologia pode ser concebida como uma análise filosófica dos diversos modos de aparição e, em articulação com isso, como uma investigação reflexiva das estruturas compreensivas, que permitem aos objetos se mostrarem como aquilo que eles são.

Um mérito importante da fenomenologia aponta para a sua catalogação dos diversos tipos de fenômeno. Há diferenças essenciais entre os modos de aparição, por exemplo, de uma coisa física, de um objeto de uso, de uma obra de arte, de uma melodia, de um estado de coisas, de um número ou de uma (13) relação social. Nesse caso, o mesmo objeto pode naturalmente aparecer de maneiras muito diversas: segundo esse ou aquele aspecto, em uma iluminação fraca ou forte, como percebido, imaginado ou lembrado, como constatado, posto em dúvida ou comunicado. O objeto pode ser dado de maneira mais ou menos direta, pode estar mais ou menos presente. Posso falar detalhadamente de um carvalho que, em verdade, eu nunca vi, mas do qual ouvi falar que ele se encontra no jardim atrás da casa, posso considerar um desenho detalhado do carvalho e posso percebê-lo por mim mesmo. Posso falar do quão terrível precisa ser para pessoas sem teto passar a noite na rua, posso ver um programa de televisão sobre o tema, posso mesmo vivencia-lo. É possível falar aqui de diferentes níveis epistêmicos (de acordo com o conhecimento). O modo de aparição mais baixo e mais pobre de um objeto é formado pelos atos significativos. Esses atos (de fala) têm naturalmente uma referência, mas o objeto mesmo, porém, não é dado de uma maneira intuitiva. Os atos imaginativos são, em verdade, dotados de um conteúdo intuitivo, mas têm, para além disso, em comum com os atos significativos intencionar o objeto de maneira apenas indireta: o ato significativo intenciona o objeto por meio de uma representação casual (sinais), o ato imaginativo por meio de uma representação (imagem), que possui certa semelhança com o objeto. Só a percepção nos apresenta o objeto diretamente, só ela apresenta para nós o objeto ele mesmo “na própria pessoa” (presentificação) como aquela forma de aparição, que expõe o objeto da melhor, mais imediata e mais originária maneira de exposição. Ao invés de considerar a aparição do objeto como algo inessencial e meramente subjetivo, como algo que não merece nenhuma investigação mais detida, a fenomenologia insiste, portanto, justamente no valor filosófico decisivo dessa investigação. (ZAHAVI, Dan. Fenomenologia para iniciantes. Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019, p. 13-14)