Spengler Simbolismo

MACROCOSMO: O SIMBOLISMO DA IMAGEM CÓSMICA E O PROBLEMA DO ESPAÇO

O MACROCOSMO COMO CONJUNTO DOS SÍMBOLOS RELACIONADOS COM UMA ALMA

Os símbolos são signos sensíveis, impressões derradeiras, indivisíveis e sobretudo involuntárias, e que possuem urna importância determinada. Um símbolo é um traço da realidade, o qual, para pessoas dotadas de sentidos vigilantes, designa com imediata e íntima certeza alguma coisa que não pode ser comunicada pelo intelecto. Um ornamento dórico, árabe ou românico da primeira fase; o feitio da casa rural; a forma da família, do tráfego, dos trajes e das cerimônias religiosas; mas também o rosto, o andar, a postura de um indivíduo, tanto como de classes e povos inteiros; o modo de falar e os tipos de habitação de homens e animais; e ainda a linguagem muda da natureza com seus bosques, pradarias, rebanhos, nuvens, astros, com noites de luar e tempestades, com florescências e definhamentos, com proximidades e distâncias — tudo isso é impressão simbólica que o cosmo nos causa, desde que nos mantenhamos vigilantes. Sempre que despertamos, percebemos que um “ali” está se afastando do “aqui”. Vivemos o “aqui”, ao passo que assistimos ao “ali”. O primeiro é para nós o próprio; o segundo, o estranho. É a disjunção da alma e do mundo, como polos da realidade, e nessa existem não somente resistências, concebidas por nós, de modo causal, como objetos ou qualidades, e impulsos, nos quais sentimos a atividade de outros seres, os numina, que são “como nós mesmos”, se não também algo que, por assim dizer, anula aquele dualismo. A realidade — o mundo com relação a uma alma — é para cada indivíduo a direção projetada sobre o terreno da extensão. Ela é o próprio que se reflete no estranho. Significa o homem mesmo. Por meio de um ato tão criador quanto inconsciente — quem realiza a possibilidade não sou “eu”; ela se realiza por meu intermédio — lança-se a ponte do símbolo entre os polos vivos do “aqui” e do “ali”. Subitamente e com absoluta necessidade nasce do conjunto de elementos sensíveis e memorizados “o” mundo, o mundo que concebemos e que para cada indivíduo é “o único”.

Por isso há mundos em número igual ao dos seres vigilantes e ao dos grupos de seres viventes em harmonia de sentimentos. Na existência individual de cada um deles, o mundo supostamente único, independente e eterno — que todos creem ter em comum com os demais — é uma experiência íntima sempre nova, singular, jamais repetida.

Tal é a ideia do macrocosmo, da realidade como conjunto de todos os símbolos relacionados com uma alma. Nada fica isento dessa qualidade de ser significativo. Tudo quanto existe é também símbolo. Desde a aparência corporal — rosto, compleição, postura de indivíduos, classes sociais, povos — cujo simbolismo sempre se percebeu, até às formas do conhecimento pretensamente eternas e universais, tais como a Matemática e Física, expressa tudo a essência de uma alma determinada, com exclusão de qualquer outra. Na maior ou menor afinidade entre os mundos particulares, produtos das experiências de homens de uma e a mesma cultura ou de certa comunidade espiritual, reside a melhor ou pior faculdade, o que tenham plasmado no estilo do seu próprio ser, mediante os meios de expressão da linguagem, da arte e da religião, por palavras, fórmulas, sinais, que, por sua vez, são símbolos. Ao mesmo tempo depara-se-nos neste ponto o obstáculo intransponível que se opõe ao nosso esforço de comunicar-nos realmente com criaturas estranhas ou de compreender de fato as manifestações da sua vida. Do grau de afinidade entre os dois mundos, o nosso e o delas, depende a zona onde cessamos de compreender e começamos a iludir a nós mesmos. Certamente só podemos entender de modo muito imperfeito as almas indiana e egípcia, tais como se manifestam em seus homens, costumes, deuses, sentenças, ideias, construções, feitos.

-* Spengler Morte – O ESPAÇO E A MORTE
-* Spengler Protosimbolo – A PROFUNDIDADE DO ESPAÇO COMO TEMPO. O PROTO-SÍMBOLO
-* Spengler Simbolos Primordiais – OS SÍMBOLOS PRIMORDIAIS DA ANTIGUIDADE E DO OCIDENTE