A razão pela qual nos excusamos de discorrer sobre a origem e o fim do mundo, na acepção comum, é a de que admitimos, com Kant, que a ideia de mundo como um todo de fenômenos não é idêntica, estruturalmente, às outras ideias. Quando nos referimos a um livro, a uma árvore ou a qualquer ser intramundano, apontamos para um objeto preciso, recortado diante de nós; entretanto, como afirma Kant, o mundo como um todo não nos é dado por nenhuma experiência, e por nenhuma intuição. Assim sendo, o conceito de uma totalidade de fenômenos suscetível de começo e fim provém de uma totalização ilegítima que transforma a experiência móvel e indeterminada do mundo num objeto fixo e dado. Portanto, o mundo, não sendo um espetáculo ou uma coisa, não é passível de uma qualificação somente compreensível em se tratando de uma trajetória no espaço ou de uma sucessão de fatos objetiváveis. Com essas considerações, ficam eliminadas as concepções naturalísticas e banais que podemos elaborar em relação ao começo e ao término das coisas. Se de um ponto de vista filosófico as atribuições de começo e fim não têm vigência, em relação ao mundo, isso não nos impede de descobrir um sentido diferente e mais profundo nas ideias referidas. Se superarmos as representações científico-naturais e realistas do universo, alcançaremos a ideia do mundo como imagem do mundo, como representação vigente numa dada sociedade, num dado momento histórico. Não é a história que está no mundo, mas sim é o mundo que está na história. É desse mundo como imagem do mundo, como representação do nosso espírito, que podemos dizer que tem uma aurora e um ocaso. Com isso afirmamos que a relação existente entre o homem e os dois polos extremos da origem e do fim deve ser interpretada em função da ideia mítico-cultural. Essa relativização da representação do mundo coloca novas questões que analisaremos para compreender melhor como se (222) propõem na filosofia atual as possibilidades do nascimento e do fim de uma vigência cósmica e cultural. (VFSTM:222-223)