Ouvir, deixar ser, é um despojamento e uma entrega, por parte do modo de ser que pode/precisa ser abertura para e participação no sentido — assim, ouvir, deixar ser é uma entrega despojada, largada, abandonada à transcendência, posto que o caráter de salto, de imediatidade e de sobrevir (sobreveniência, vir sobre, afeto) de sentido, de lógos, dá-lhe, ao mesmo tempo e como que no mesmo ato, a textura de transcendência, isto é, de ultrapassamento. Deixar-ser é largar-se, abandonar-se, pôr-se à mercê de… sentido, linguagem, transcendência. Este largar-se à própria coisa (sentido, lógos, linguagem, transcendência), a ela assim abandonar-se ou pôr-se à sua mercê e graça, aqui, agora, não é, como em outra configuração acima referimos, nada apático, indiferente, letárgico e, sim, um modo de ser, uma postura ou uma atitude ligada, acesa — é como o “à toa muito ativo”, que é a espera, segundo uma passagem de Guimarães Rosa 1. À espera e à escuta. É um pôr-se e ficar como que à mercê de sentido, de linguagem e, então, fala à medida que deixa este sentido, esta linguagem falar. Este deixar, vê-se, é um extremo estado de tensão, onde não se pode ser ou querer nem demais e nem tampouco de menos; nem forte demais e nem frouxo, apático, mas de tal modo aceso, ligado, que pode fazer-se, tornar-se, deixar-se ser passagem. Lugar e hora de real, de sentido, de linguagem ser e acontecer.
[Excerto de FOGEL, Gilvan. O desaprendizado do símbolo : ou da experiência da linguagem. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017, p. 41-42]- “Esperar é um à-toa muito ativo.” ROSA, J.G. Orientação. In: Tutameia, Terceiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976, p. 109.[↩]