Sallis (1990:15-18) – não-filosofia

A não-filosofia não pode deixar de ser atraída de volta para a própria filosofia. Em primeiro lugar, pelo fato de ser assim chamada, ou seja, pela torção entre o que seria chamado de não-filosofia e o próprio nome. Pois ela é nomeada simplesmente por oposição; e, como resultado, o conteúdo pelo qual o nome determinaria aquilo que é nomeado não-filosofia não é outro senão o do próprio conceito de filosofia, simplesmente submetido à negação. Se a não-filosofia fosse o seu nome próprio, o nome que lhe é próprio — isto é, se não houvesse torção —, aquilo que é chamado de não-filosofia se mostraria não ser de modo algum não-filosofia, sendo, ao contrário, governado pelo conceito de filosofia — o que significa dizer que a não-filosofia não é o seu nome próprio, que não pode deixar de haver torção. Ainda mais, dado que a filosofia governa não apenas o conteúdo, mas também a forma, isto é, a oposição, que não apenas é determinada dentro da filosofia, mas também pertence à própria determinação da filosofia. Assim, o que é nomeado (não-filosofia) e o como é nomeado (não-filosofia) são governados pela filosofia, que, nessa medida, atrai para si não apenas aquilo que seria nomeado não-filosofia, mas também o próprio traçado da torção (por exemplo, por meio de sua referência à oposição entre forma e conteúdo).

Assim que é chamado de não-filosofia, o que seria assim chamado é atraído de volta não apenas para a filosofia, mas para dentro dela. Dificilmente será um eco.

Existe alguma outra alternativa, a não ser torcer a coisa livre do nome por meio de um contra-ataque que não poderia deixar de deixar tudo à deriva? Como a não-filosofia pode ser nomeada se não simplesmente como não-filosofia? (16) Como abordar o outro da filosofia se não simplesmente por meio da oposição?

Ouça os filósofos, o que alguns deles disseram sobre filosofia e não-filosofia. Ouça as vozes — ecoadas no espaço das diferenças históricas e linguísticas — com as quais a filosofia se dirigiu ao seu outro, tentou dizer a si mesma dizendo sua oposição ao seu outro.

Parmênides, recebido pela deusa:

É necessário que aprendas todas as coisas, tanto o coração inabalável da verdade completa quanto as opiniões dos mortais nas quais não há crença verdadeira.1.

Platão — ou melhor, Sócrates, fazendo alusão a Homero, falando a Teodoro na ocasião em que encontrou o Estrangeiro de Eléia:

No entanto, acho que não é muito mais fácil, se assim posso dizer, discernir essa espécie do que a dos deuses. Pois esses homens — refiro-me àqueles que não são filósofos fingidos, mas de fato filósofos — aparecem disfarçados em todos os tipos de formas, graças à ignorância do resto da humanidade, e visitam as cidades, observando de cima a vida dos que estão embaixo, e eles parecem, para alguns, não ter valor algum e, para outros, valer tudo. E às vezes eles aparecem disfarçados de estadistas, e às vezes como sofistas, e às vezes eles podem dar a algumas pessoas a impressão de que são completamente loucos.2.

Hegel, apresentando o Critical Journal of Philosophy de Schelling e dele em 1802:

A filosofia é, por sua natureza, algo esotérico…; ela é filosofia apenas por se opor ao entendimento e, portanto, ainda mais ao senso comum…; em relação a este último, o mundo da filosofia é, em si e para si, um mundo invertido.3

Finalmente, Merleau-Ponty, pouco antes de sua morte, em seu último curso “Filosofia e Não-Filosofia desde Hegel”:

A verdadeira filosofia é a não-filosofia, que é entrar na profundidade da “experiência”.4

O que dizer da experiência? A filosofia sempre apelou para ela, para sua profundidade, para uma experiência mais profunda à qual o filósofo sempre teria se convertido por meio da inversão do senso comum. Ou então, o apelo à experiência se tornou o apelo empirista ao elemento da não-filosofia, a um elemento colocado fora da filosofia, como o exterior da filosofia, um elemento que a filosofia sempre terá começado a atrair para si, a se apropriar. Seria possível persistir na não-filosofia, resistindo efetivamente à verdadeira não-filosofia que seria, finalmente, indistinguível da própria filosofia? Como poderia a experiência na qual a não-filosofia entraria (a entrada na qual determinaria a não-filosofia) ser colocada além do alcance apropriador da filosofia? A que operação alguém se refere ao escrever: “experiência”? Que deslocamento seria marcado pelas aspas? Seria possível persistir na filosofia e na não-filosofia ao mesmo tempo e por um tempo indefinido, interrompendo a orientação apropriativa que, mesmo que apenas no telos, reduziria o duplo ao simples da filosofia? Nesse caso, escrever que a verdadeira filosofia é a não-filosofia seria dizer — no é — não uma identidade ou subsunção, mas uma duplicação.

Não seria necessário, então, também dobrar a inversão, torná-la um círculo, acrescentar um círculo de volta à não-filosofia que confirmaria sua irredutibilidade em vez de preparar sua apropriação? O que dizer das formas e dos disfarces com os quais o filósofo circularia de volta à cidade, retornando à profundidade da “experiência” escondida ali do resto da humanidade, escondida também do filósofo que não está disposto a assumir outra forma, a forma de um outro, e descer à cidade? Mas se alguém desce até ali, não pode deixar de correr o risco de ser confundido: enganado pelos outros por outros, por estadistas, sofistas ou loucos, talvez por todos os três, uma vez que eles tendem a se unir na figura da tirania; também enganado por si mesmo, enganado pelo que é visto (ainda) de cima da vida daqueles (18) de baixo; enganado pelo próprio elemento da não-filosofia, para o qual os recursos da filosofia nunca seriam suficientes; desviado das opiniões dos mortais nas quais não há verdade, desviado do coração da verdade, fora de sua esfera. A não-filosofia é o risco de se desviar para fora. O filósofo retorna à cidade apenas sob o risco de infâmia e morte.

  1. Parmênides, I, 28-30. A tradução citada é a de Leonardo Tarän, Parmenides (Princeton: Princeton University Press, 1965), 9[]
  2. Platão, Sofista, 216 c-d. A tradução citada é a de Η. N. Fowler (Londres: William Heinemann, 1921)[]
  3. G. W. F. Hegel, “Einleitung. Ueber das Wesen der philosophischen Kritik überhaupt und ihr Verhältnis /um gegenwärtigen Zustand der Philosophie insbesondere”, em Jenaer Kritische Schriften, cd. Hartmut Buchner e Otto Pöggeler, vol. 4 de Gesammelte Werke (Hamburgo: Felix Meiner Verlag, 1968), 124f.[]
  4. Maurice Merleau-Ponty, “Philosophy and Non-Philosophy since Hegel,” tr. Hugh J. Silverman, Telos, no. 29 (Fall 1976), 75.[]