No final da nossa análise conceitual da “vivência” tornar-se-á claro que afinidade há entre a estrutura da vivência como tal e o modo de ser do estético. A experiência estética não é apenas uma espécie de vivência ao lado de outras, mas representa a forma de ser da própria vivência. Com a obra de arte, como tal, é um mundo para si, assim o vivenciado esteticamente, como vivência, distancia-se de todas as correlações com a realidade. Parece, por assim dizer, que a determinação da obra de arte é a de se tornar uma VIVÊNCIA ESTÉTICA; ou seja, que arranque a um golpe aquele que a vive, do conjunto de sua vida, por força da obra de arte e que, não obstante, volte a referi-lo ao todo de sua existência. Na vivência da arte há presente uma pletora de significados que não somente pertence a este conteúdo específico ou a esse objeto, mas que, antes, representa o todo do sentido da vida. Uma VIVÊNCIA ESTÉTICA contém sempre a experiência de um todo infinito. E seu significado é infinito justamente porque não se conecta com outras coisas para a unidade de um processo aberto de experiência, já que representa o todo imediatamente. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Na medida em que a VIVÊNCIA ESTÉTICA, como dissemos acima, representa exemplarmente o conteúdo do conceito da vivência, é compreensível que o conceito desta seja determinante para a fundamentação do ponto de vista da arte. A obra de arte é compreendida como a consumação da representação simbólica da vida, a caminho da qual já se encontra igualmente toda a vivência. É por isso que ela mesma é caracterizada como objeto da VIVÊNCIA ESTÉTICA. Para a estética, isso tem como consequência que a chamada arte vivencial aparece como a verdadeira arte. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O conceito da arte vivencial contém uma ambiguidade característica. A arte vivencial significa, em princípio e abertamente, que a arte origina-se da vivência e dela é expressão. Num sentido derivado, o conceito da arte vivencial é então utilizado também para aquela arte que se destina à VIVÊNCIA ESTÉTICA. É evidente que ambas se inter-relacionam. O que tem sua determinação de ser no fato de ser expressão de uma vivência, não poderá ser entendido, no seu significado, a não ser através de uma vivência. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Com isso — diferenciando-se da diferenciação que exerce um gosto preenchido e determinado em selecionar e rejeitar — deve-se caracterizar a abstração, que, como tal, somente pratica uma seleção em relação à qualidade estética, como tal. Ela completa-se na autoconsciência da “VIVÊNCIA ESTÉTICA“. A que está dirigida a VIVÊNCIA ESTÉTICA, há de ser a obra verdadeira — aquilo de que ela prescinde, são os momentos extra-estéticos que lhe são aderentes: fim, função, significado de conteúdo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
A “diferenciação estética”, que atua como consciência estética, produz para si mesma uma própria existência externa. Comprova sua produtividade na medida em que prepara, para a simultaneidade, os seus devidos lugares, a “biblioteca universal”, no âmbito da literatura ou museu ou teatro permanente, a sala de concertos etc. Deve-se diferenciar claramente aquilo que surge agora daquilo que é mais antigo: O museu, p. ex., não é simplesmente um acervo que se tornou público. Mais do que isso, os antigos acervos espelhavam (nas cortes e nas cidades) a escolha de um determinado gosto e continham, preponderantemente, os trabalhos de uma mesma “escola”, concebida como exemplar. O museu, ao contrário, é o acervo de tais acervos e, caracteristicamente, alcança sua perfeição no encobrir seu próprio surgimento a partir desses acervos, quer através de uma reordenação histórica do conjunto, quer através da complementação mais abrangente possível. Algo semelhante pode-se apontar no teatro que devem permanente ou no empreendimento de concertos do último século, onde o repertório se distancia mais e mais do criar contemporâneo e se adequa à necessidade de uma auto-afirmação, que é característica para a sociedade instruída que sustenta essa instituição. Mesmo formas artísticas que tanto parecem resistir à simultaneidade da VIVÊNCIA ESTÉTICA, como a arte da construção, acabam sendo envolvidas por ela, quer através da moderna técnica de reprodução, quais aquelas maquetes em imagens, quer através do turismo moderno, que transforma as viagens em páginas de livros ilustrados. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Voltemo-nos agora para o conceito da diferenciação estética, cuja configuração formativa já descrevemos, e desenvolvemos as dificuldades teóricas que se encontram, no conceito do estético. A abstração ao “estético puro” suspende claramente a si mesma. Isso me parece tornar-se nítido na mais consequente tentativa de desenvolver ao final das diferenciações kantianas uma estética sistemática, o que devemos agradecer a Richard Hamann. Essa tentativa de Hamann notabiliza-se pelo fato de que ele realmente se reporta à intenção transcendental de Kant, demolindo assim o padrão unívoco da arte vivencial. Na medida em que elabora regularmente o momento estético onde quer que o encontre, surgem também formas especiais vinculadas a um fim, como a arte monumental ou a arte do cartaz, a reclamar seu direito estético. Mas também aqui, Hamann apega-se à sua tarefa da diferenciação estética. Pois nela diferencia o estético das relações extra-estéticas, nas quais a situação é a mesma, como a que nós podemos dizer também fora da experiência da arte, que alguém se comporta esteticamente. Portanto, restituir-se-á ao problema da estética sua inteira abrangência e restabelecer-se-á o questionamento transcendental que fora abandonado pelo ponto de partida da arte e pela sua separação entre a bela aparência e a rude realidade. À VIVÊNCIA ESTÉTICA é indiferente se o seu objetivo é ou não real, se a cena é o palco ou a vida. A consciência estética possui uma soberania ilimitada sobre tudo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
A mesma aporia ocorre quando, em lugar de partir do conceito do gênio, parte-se do conceito da VIVÊNCIA ESTÉTICA. Esse problema já foi levantado pela dissertação fundamental de Georg von Lukács, A relação sujeito-objeto na estética. Ele (101) confere à esfera estética uma estrutura heracíítica, e com isso quer dizer o seguinte: a unidade do objeto estético não chega a ser uma situação dada real. A obra de arte é apenas uma forma do vazio, o mero ponto nodal na possível maioria das vivências estéticas, nas quais se encontra apenas o objeto estético. Como se vê, há absoluta descontinuidade, isto é, decomposição da unidade do objeto estético na multiplicidade de vivências, uma consequência necessária da estética da vivência. Vinculando-se à ideia de Lukács, Oskar Becker chegou à seguinte formulação: “Vista temporalmente, a obra é apenas um momento (isto é, agora), é ‘agora’ esta obra, e já agora não é mais!” Isso, de fato, é algo consequente. A fundamentação da estética na vivência conduz à absoluta pontualidade, que suspende tanto a unidade da obra de arte como a identidade do artista consigo mesmo e a identidade de quem a compreende ou a usufrui. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Se se observa desse modo, a gama completa das tarefas decorativas que se impõem à arquitetura, não será difícil de reconhecer que o preconceito da consciência estética, nelas, chega ao fracasso, do modo mais evidente, já que, segundo ela, a verdadeira obra de arte seria aquilo que, abstraído de todo espaço e de todo tempo, representa o objeto de uma VIVÊNCIA ESTÉTICA na presença do vivenciar. Na arquitetura torna-se inquestionável, que é necessário revisar a diferenciação habitual entre a obra de arte autêntica e a simples decoração. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Será que isso não implica, que a obra de arte somente tem seu verdadeiro significado não é uma espécie de reconstrução do originário? Se se identifica e reconhece que a obra de arte não é um objeto a-temporal da VIVÊNCIA ESTÉTICA, mas que pertence a um mundo e que somente este é que poderá determinar plenamente o seu significado, parece que se há de concluir que o verdadeiro significado da obra de arte só se pode compreender a partir deste mundo, portanto, principalmente a partir da sua origem e de seu surgimento. A reconstrução do “mundo” a que pertence, a reconstrução do estado originário que havia (172) existido na “intenção” do artista criador, a execução no estilo original, todos esses meios de reconstrução histórica teriam então o direito de reivindicar que eles tornam compreensível o verdadeiro significado da obra de arte e que o protegem contra mal-entendidos e falsas atualizações. E essa é, efetivamente, a ideia de Schleiermacher, o pressuposto tácito de toda a sua hermenêutica. Segundo ele, o saber histórico abre o caminho que permite suprir o que foi perdido e reconstruir a tradição, na medida em que nos devolve o ocasional e o originário. Assim, o empenho hermenêutico se orienta para a recuperação do “ponto de conexão” com o espírito do artista, que é o que deve fazer inteiramente compreensível o significado de uma obra de arte; procede como, fora isso, o faz ante textos, procurando re-produzir o que foi a produção original do autor. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.