Gadamer (VM): opinião comum

Em suas inolvidáveis exposições, Platão mostra-nos em que consiste a dificuldade de sabermos o que não sabemos. É o poder da opinião, contra o qual é tão difícil chegar ao reconhecimento de que não se sabe. Opinião é o que reprime o perguntar. É-lhe inerente uma particular tendência expansionista. Ela gostaria de ser sempre opinião comum, e a palavra que entre os gregos designava a opinião, doxa, significa ao mesmo tempo a decisão alcançada pela maioria na reunião do conselho. Como é possível, então, chegar ao não saber e ao (372) perguntar? VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

De início afirmamos que só se pode chegar a tal, nos moldes como nos ocorre algo. É verdade que, em relação às ocorrências, fala-se menos de perguntas do que de respostas, por exemplo, como solução de enigmas, e com isso queremos afirmar que não existe nenhum caminho metódico que leve à idéia da solução. Não obstante, sabemos também que o que nos ocorre não vem totalmente sem preparação. Isto pressupõe uma certa orientação para um âmbito do aberto, a partir do qual pode vir a ocorrência, o que significa que pressupõe perguntas. A verdadeira essência da ocorrência consiste talvez menos em que possa nos ocorrer algo parecido à solução de um enigma do que em que nos ocorra a pergunta que nos empurra para o aberto e com isso torne possível a resposta. Toda ocorrência tem a estrutura da pergunta. No entanto, a ocorrência da pergunta já é a erupção na extensão aplanada da opinião comum. Portanto também das perguntas dizemos que nos ocorrem, que surgem ou que se colocam, mais do que, que nós as provocamos e as colocamos. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Mas por que será que o fenômeno da compreensão tem caráter de linguagem? Por que o “entendimento tácito”, que se estabelece sempre e de novo como uma orientação comum no mundo, significaria estrutura de linguagem? Esse tipo de pergunta já traz implícita a resposta. É a linguagem que constrói e conserva essa orientação comum no mundo. Conversa não é primariamente controvérsia. Parece-me característico da modernidade apreciar em demasia a identificação entre conversa e controvérsia. Conversar também não é mutuamente desentender-se ou passar ao largo do outro. Constrói-se, ao contrário, um aspecto comum do que é falado. A verdadeira realidade da comunicação humana é o fato de o diálogo não ser nem a contraposição de um contra a opinião do outro e nem o aditamento ou soma de uma opinião à outra. O diálogo transforma a ambos. O êxito de um diálogo dá-se quando já não se pode recair no dissenso que lhe deu origem. Uma solidariedade ética e social só pode acontecer na comunhão de opiniões, que é tão comum que já não é nem minha nem tua opinião, mas uma interpretação comum do mundo. Tudo que é justo e se considera como justiça exige, por sua natureza, essa comunhão que se instala na compreensão recíproca das pessoas. Na verdade, a opinião comum constrói-se sempre na mutualidade da conversa e é somente depois que recai no silêncio do consenso e do evidente. Por esse motivo, parece-me justificado afirmar que todas as formas extraverbais de compreensão apontam para a compreensão que se difunde no falar e na mutualidade da conversa. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 14.