2. Mas será que as ciências do espírito realmente satisfazem aquilo que as torna tão significativas para nós, a saber, a ânsia de verdade do coração humano? É verdade que, à medida que perpassam os amplos espaços da história, pela investigação e compreensão, elas ampliam o horizonte espiritual da humanidade em relação ao conjunto do seu passado. Mas, com isso, elas não só não satisfazem à busca de verdade presente à nossa atualidade, como a tornam digna de ser pensada. O sentido histórico formado pelas ciências do espírito implica um habituar-se a parâmetros oscilantes, os quais acabam levando à insegurança no uso de uma medida própria. Nietzsche, em sua segunda Consideração intempestiva, falou não só da utilidade, mas também da desvantagem da ciência histórica para a vida. O historicismo, que vê em toda parte um condicionamento histórico, destruiu o sentido pragmático dos estudos históricos. Sua arte refinada de compreensão enfraquece a força do valor incondicional, onde repousa a realidade ética da vida. Seu ápice epistemológico é o relativismo, sua consequência, o niilismo. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 3.
Talvez a crítica que Derrida dirige à interpretação heideggeriana de Nietzsche — interpretação que a mim me convenceu — possa servir de ilustração para a problemática que levantamos e que nos tem ocupado. Temos de um lado a desconcertante riqueza de aspectos e o incessante jogo de disfarces, no qual a audácia mental de Nietzsche parece dispersar-se numa variedade inapreensível. De outro, a pergunta a ele dirigida: o que significa o jogo dessa audácia. Não que o próprio Nietzsche tivesse presente a unidade na dispersão, nem que tivesse traduzido em conceitos o nexo interno entre o princípio básico da vontade de poder e a mensagem meridiana do eterno retorno do mesmo. Se eu compreendo Heidegger, é precisamente isso o que Nietzsche não fez, de modo que as metáforas de suas últimas visões aparecem como facetas reflexivas, detrás das quais não há uma realidade unívoca. Essa seria, segundo Heidegger, a posição final de Nietzsche, onde se esquece e se perde a pergunta pelo ser. Assim, a era tecnológica na qual o niilismo alcança sua perfeição, significaria de fato, segundo o próprio Heidegger, o eterno retorno do mesmo. Pensar isso, assimilar a Nietzsche pelo pensamento, não me parece ser nenhuma recaída na metafísica e em seu esquema ontológico, que culmina no conceito de essência. Nesse caso, os caminhos de Heidegger, que estão a caminho de uma “essência” de estrutura radicalmente distinta, temporal, não se perderiam sempre de novo no intransitável. O diálogo que continuamos em nosso próprio pensamento e que talvez se enriquece em nosso tempo com novos e grandes interlocutores, numa humanidade de dimensões planetárias, deveria buscar sempre seu interlocutor… especialmente se esse interlocutor é radicalmente distinto. Aquele que me leva a valorizar muito a desconstrução, e insiste na diferença, se encontra no começo de um diálogo, e não no final. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.