Gadamer (VM): círculo da compreensão

Porém, essa nossa relação com a tradição, essa comunhão está submetida a um processo de contínua formação. Não se trata simplesmente de uma pressuposição, sob a qual nos encontramos sempre, porém nós mesmos vamos instaurando-a, na medida em que compreendemos, em que participamos do acontecer da tradição e continuamos determinando-o, assim, a partir de nós próprios. O círculo da compreensão não é, (299) portanto, de modo algum, um círculo “metodológico”, pois isso sim, descreve um momento estrutural ontológico da compreensão. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

(57) Sobre o círculo da compreensão (1959) VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 5.

O que tem me ocupado nos últimos anos e o que tenho buscado em diversas conferências ainda não publicadas (Bild und Wort; Das Sein des Gedichteten; Von der Wahrheit des Wortes; Philo-sophical, poetical, religious speaking = Imagem e palavra; O ser do poético; Sobre a verdade da palavra; Diálogo filosófico, poético e religioso) são os problemas hermenêuticos especiais dos textos eminentes. Esse tipo de texto fixa a pura ação de linguagem, e tem com isso um eminente relacionamento com o escrito. Nele, a linguagem está presente de tal modo que sua relação cognitiva com o dado está tão suspensa como a referência comunicativa no sentido da interpelação. Então, a situação hermenêutica geral básica da constituição e fusão de horizontes, a que dei um desenvolvimento conceitual expresso, deverá ser aplicada também a esses textos eminentes. Estou longe de afirmar que o modo como uma obra de arte fala à sua época e ao seu mundo (o que H.R. Jauss chama de sua “negatividade”) não ajuda a determinar seu significado, ou seja, o modo como ela nos fala. Este era realmente o núcleo da consciência da história dos efeitos, a saber, pensar a obra (Werk) e seu efeito (Wirkung) como a unidade de um sentido. O que descrevi como fusão de horizontes representa a forma como essa unidade se realiza. Esta não permite ao intérprete falar de um sentido originário de uma obra sem que na compreensão da mesma já não esteja sempre implicado o sentido próprio do intérprete. Toda vez que se pensar, por exemplo, que é possível “romper” o círculo da compreensão, através do método histórico-crítico (como pensou recentemente Kimmerle), se está ignorando essa estrutura hermenêutica fundamental. O que Kimmerle descreve, assim, é simplesmente o que Heidegger caracterizava como “entrar no círculo de maneira correta”, ou seja, não é uma atualização anacrônica e nem um acrítico puxar brasas para a sardinha das próprias opiniões prévias. A elaboração do horizonte histórico de um texto já é sempre uma fusão de horizontes. O horizonte histórico não pode ser erigido primeiramente por si. Isso é conhecido na hermenêutica mais recente como a problemática da compreensão prévia. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 29.