tradução
Posto que a teoria do verbo mental foi construída para esclarecer o dogma trinitário da processão do Verbo, era normal que se buscasse na experiência humana, em sua maior generalidade, as ilustrações mais apropriadas. Foi preciso assim apelar então a uma metafísica do vivente, tal qual se podia conceber nesta época, com os meios disponíveis que não são os nossos. Ora o intelecto representa, na hierarquia dos graus de vida, a forma mais alta do vivente. Segue-se que se verifica nele, em sua perfeição suprema, a essência da vida, a qual não é somente conservação e crescimento, mas também fecundidade. O intelecto, em seu agir, não podia ser estéril. Fecundo, ele devia se engendrar. Sua progenitura imaterial como ele, não é outra senão o «verbo mental». Um escolástico do século XVII, João de São Tomás, se autorizará da etimologia do termo latino «conceptus» (do verbo concipere) para ler no conceito, tomado em sua espiritualidade, a necessidade de «conceber» e de «engendrar». Esta evidência, sugerida só pela etimologia, podia ser confirmada por um princípio metafísico, indubitável ele também: o princípio segundo o qual, pela conexão do ser e do agir, todo ente é dotado de uma eficiência, ou de uma causalidade. O intelecto, em seu agir, não poderia ser desprovido de um eficiência produtiva. Ora a produção geradora excede o indivíduo, o abre seja à espécie; seja, como é o caso no «verbo mental», à referência semântica.
Por este último traço, o conceito-verbo se aproxima do signo e da semiótica. É um fato que falamos; é um fato que, em falando, queremos dizer algo, e este querer-dizer não é outro senão «significar». Nossas palavras têm portanto um sentido. Ora este sentido, antes de ser materializado em uma voz ou em uma grafia, «subsiste» no intelecto. É compreendido não somente por nós, mas por aqueles que nos escutam e a quem falamos; as traduções de uma língua em outra pressupõem esta unidade e constância do sentido, que é assim dado objetivo que, embora imanente ao intelecto e a seu ato, não se identifica puramente a este. O sentido não é portanto um ato, o verbo mental também não, embora dele proceda, como procede do Pai, na Trindade, o Verbo divino como pessoa distinta.
Esta fecundidade do pensamento é também a expressão que se dá de seu ser e de seu agir como generosidade difusiva de si. Mas esta expressão nada tem de egoísta. Pois ela é, essencialmente, relação, com os humanos como com as coisas. Mas esta relação exige, como toda relação, um fundamento. Este fundamento, não é outro senão um certo traço, essencial ou não, que permite unificar o múltiplo dos singulares, aos quais o verbo-conceito faz necessariamente referência. É que, como lembra S. Tomás, em um texto da Suma Teológica (I, q. 85, a. 4), «o múltiplo enquanto múltiplo não poderia ser pensado, não pode ser senão sob o modo da unidade» (multa ut multa non possunt cogitari sed multa per modum unius). É preciso portanto que os singulares visados pelas referência sejam unificados, previamente, por uma determinação, qualquer que seja sua natureza, que permita à referência sua relação intencional à pluralidade dos singulares. Em resumo, o verbo-conceito deve ter uma compreensão para que possa beneficiar de uma extensão. Ora não há compreensão senão por uma determinação que seja a mesma, enquanto determinação, em cada um dos indivíduos, e que, por aí mesmo, não poderia ser nem um indivíduo, nem uma coleção de indivíduos. Ora é esta condição enigmática do verbo mental que suscitou, no passado como agora, as mais vivas reticências. É precisamente porque o sentido imanente ao verbo-conceito não é nem um singular, nem um existente, que se lhe negou toda consistência para reduzi-lo a uma ilusão, ou à sombra de um fantasma. E em verdade, qual estatuto ontológico pode-se conceber para estas formas de verbo mental que são as «proposições» da lógica, sobre as quais portam nossos juízos? O que é este «complexo significável», este enunciável que será objeto de enunciação, que não é portanto um ato, dele lhe sendo, no entanto, necessariamente pressuposto?
Me limitarei a este último questionamento, sem dar ao problema assim levantado um caráter de insolúvel, ou afetá-lo de uma dúvida de absurdidade. Basta ter assinalado uma dificuldade que, em meu entendimento, não foi inteiramente dissipada pelos mestres medievais que tiveram recurso ao conjunto doutrinal que expus em suas grandes linhas, e que subentende o tema da preexistência. Para fixar o quadro que, a princípio, nos servirá de referencial, sempre subentendido, concluirei este primeiro capítulo por um resumo que sintetizará os dados essenciais. No Prólogo joanino, o Verbo, em seu estatuto ontológico, é definido por uma jogo de preposições: em, junto a, em direção a, por. Posto que tudo foi criado por ele, tudo sem exceção deve portar a marca do Verbo. Segue-se que a criatura em seu conjunto, e os seres espirituais em particular, por conta de seu privilégio ontológico, portam, em seu ser mesmo, a marca do Verbo.
Por conseguinte, não se fica surpreso que as coisas, os eventos, os seres, inferiores ou superiores, incorporem, além de sua singularidade, um verbo que lhes é consubstancial. Compreende-se por aí a teoria, desenvolvida na Idade Média, dos diversos sentidos da Escritura. As coisas elas mesmas, e não somente as palavras ou as frases de uma dada língua, beneficiam de um sentido que lhes é imanente. Tudo isto que vem do Verbo pode portanto ser dito «verbo» por participação. Eis porque, retomei de Mestre Eckhart a expressão, muito expressiva, de «advérbio do Verbo», aplicada a toda criatura. Esta metáfora gramatical, resume, por antecipação, o que teremos a dizer da preexistência.
7. Puisque la théorie du verbe mental fut construite pour éclairer le dogme trinitaire de la procession du Verbe, il était normal que l’on cherchât dans l’expérience humaine, en sa plus grande généralité, les illustrations les plus appropriées. On dut ainsi en appeler d’abord à une métaphysique du vivant, telle qu’on pouvait la concevoir à cette époque, avec les moyens de bord qui ne sont pas les nôtres. Or l’intellect représente, dans la hiérarchie des degrés de vie, la forme la plus haute du vivant. Il s’ensuit que se vérifie en lui, en sa perfection suprême, l’essence de la vie, laquelle n’est pas seulement conservation et croissance, mais aussi fécondité. L’intellect, en son agir, ne pouvait être stérile. Fécond, il se devait d’engendrer. Sa progéniture immatérielle comme lui, n’est autre que le «verbe mental». Un scolastique du XVIIe siècle, Jean de saint Thomas, s’autorisera de l’étymologie du terme latin conceptus » (du verbe concipere) pour lire dans le concept, pris en sa spiritualité, la nécessité de «concevoir» et d’«engendrer». Cette évidence, suggérée par la seule étymologie, pouvait être confirmée par un principe métaphysique, indubitable lui aussi : le principe selon lequel, de par la connexion de l’être et de l’agir, tout étant est doté d’une efficience, ou d’une causalité. L’intellect, en son agir, ne saurait être dénué d’une efficience productive. Or la production génératrice excède l’individu, l’ouvre tantôt sur l’espèce; tantôt, comme c’est le cas dans le «verbe mental», sur la référence sémantique.
Par ce dernier trait, le concept-verbe se rapproche du signe et de la sémiotique. C’est un fait que nous parlons; c’est un fait que, en parlant, nous voulons dire quelque chose, et ce vouloir-dire n’est autre que «signifier». Nos paroles ont donc un sens. Or ce sens, avant d’être matérialisé dans une voix ou dans une graphie, «subsiste» dans l’intellect. Il est compris non seulement par nous, mais par ceux qui nous écoutent et à qui nous parlons ; les traductions d’une langue dans une autre présupposent cette unité et constance du sens, qui est ainsi un donné objectif qui, bien qu’immanent à l’intellect et à son acte, ne s’identifie pas purement à celui-ci. Le sens n’est donc pas un acte, le verbe mental non plus, bien qu’il en procède, comme procède du Père, dans la Trinité, le Verbe divin comme personne distincte.
Cette fécondité de la pensée est aussi bien l’expression qu’elle se donne de son être et de son agir comme générosité diffusive de soi. Mais cette expression n’a rien d’égoïste. Car elle est, essentiellement, relation, avec les humains comme avec les choses. Mais cette relation exige, comme toute relation, un fondement. Ce fondement n’est autre qu’un certain trait, essentiel ou non, qui permet d’unifier le multiple des singuliers, auxquels le verbe-concept fait nécessairement référence. C’est que, comme le rappelle S. Thomas, dans un texte de la Somme de Théologie (I, q. 85, a. 4), «le multiple en tant que multiple ne saurait être pensé, il ne peut l’être que sous le mode de l’unité» (multa ut multa non possunt cogitari sed multa per modum unius). Il faut donc que les singuliers visés par la référence soient unifiés, au préalable, par une détermination, quelle que soit sa nature, qui permette à la référence son rapport intentionnel à la pluralité des singuliers. En bref, le verbe-concept doit avoir une compréhension pour qu’il puisse bénéficier d’une extension. Or il n’est de compréhension que par une détermination qui soit la même, en tant que détermination, en chacun des individus, et qui, par là même, ne saurait être ni un individu, ni une collection d’individus. Or c’est cette condition énigmatique du verbe mental qui a suscité, hier comme de nos jours, les plus vives réticences. C’est précisément parce que le sens immanent au verbe-concept n’est ni un singulier, ni un existant, qu’on lui a dénié toute consistance pour le réduire à une illusion, ou à l’ombre d’un fantôme. Et en vérité, quel statut ontologique peut-on concevoir pour ces formes de verbe mental que sont les «propositions» de la logique, sur lesquelles portent nos jugements ? Qu’est-ce que ce « complexe significabile », cet énonçable qui sera objet d’énonciation, qui n’est donc pas un acte, tout en lui étant nécessairement présupposé?
Je me limiterai à ce dernier questionnement, sans donner au problème ainsi soulevé un caractère d’insoluble, ou l’affecter d’un soupçon d’absurdité. Il suffit d’avoir signalé une difficulté qui, à ma connaissance, n’a pas été entièrement dissipée par les maîtres médiévaux qui ont eu recours à l’ensemble doctrinal que j’ai exposé en ses grandes lignes, et qui sous-tend le thème de la préexistence. Pour fixer le cadre qui, désormais, nous servira de référentiel, toujours sous-entendu, je concluerai ce premier chapitre par un résumé qui synthétisera les données essentielles. Dans le Prologue johannique, le Verbe, en son statut ontologique, est défini par un jeu de prépositions : dans, auprès, vers, par. Puisque tout fut créé par lui, tout sans exception doit porter la marque du Verbe. Il s’ensuit que la créature en son ensemble, et les êtres spirituels en particulier, de par leur privilège ontologique, portent, en leur être même, l’empreinte du Verbe.
Dès lors, on n’est point étonné que les choses, les événements, les êtres, inférieurs ou supérieurs, incorporent, à même leur singularité, un verbe qui leur est consubstantiel. On comprend par là la théorie, développée au Moyen Age, des divers sens de l’Ecriture. Les choses elles-mêmes, et pas seulement les mots ou les phrases d’une langue donnée, bénéficient d’un sens qui leur est immanent. Tout ce qui vient du Verbe peut donc être dit «verbe» par participation. C’est pourquoi, j’ai repris de Maître Eckhart l’expression, très parlante, d’«adverbe du Verbe», appliquée à toute créature. Cette métaphore grammaticale, résume, par anticipation, ce que nous aurons à dire de la préexistence.