Hermeneutik der Faktizität, die
GA2 97; SZ 72; GA62 116, 364-6, 368; GA63 3, 5, 67, 74, 76, 105, 106. (HC)
Assim, o projeto da destruição da história da ontologia articula-se com um outro projeto essencial para a economia de toda a obra Ser e tempo, um projeto que Heidegger denomina a partir dos textos da década de 1920 como o projeto de uma hermenêutica da facticidade. Uma formulação presente em um texto programático de 1922 intitulado Interpretações fenomenológicas de Aristóteles, hoje famoso como o Relatório Natorp,11 não deixa dúvida quanto à articulação entre esses dois projetos. Heidegger afirma aí: “Na medida em que procura levar a situação atual por meio de uma interpretação a uma possibilidade radical de apropriação – e isto sob o modo de uma sensibilização que oferece categorias concretas –, a hermenêutica da facticidade fenomenológica se acha remetida à tarefa de afrouxar o modo tradicional e dominante de interpretação com vistas aos seus motivos encobertos, às suas tendências inexpressas e aos seus caminhos interpretativos, avançando em um retrocesso desconstrutivo até as fontes originárias motivadoras da explicação. A hermenêutica só realiza a sua tarefa por sobre o caminho da destruição. (PIA, 34)” A questão é que uma tal hermenêutica da facticidade, ou seja, uma tal lida desconstrutiva com a ontologia sedimentada no presente, que busca incessantemente se apropriar de possibilidades latentes naquilo que essencialmente se deu e que continua decidindo o caminho de determinação do futuro, não pode se realizar em si mesma. É preciso muito mais que ela receba uma orientação para a sua condução a partir de um ente específico, que funcione de algum modo como o ponto de confluência entre a destruição da história da ontologia e a hermenêutica da facticidade. Um ente que se ache a princípio absorvido na facticidade incontornável de seu mundo, ao mesmo tempo em que seja marcado por uma relação originária e indissolúvel com o ser. Para designar esse ente, Heidegger vale-se em Ser e tempo do termo ser-aí (Dasein).
NOTA: Exatamente este é o sentido fundamental da compreensão heideggeriana do conceito de “fenomenologia” em Ser e tempo. Para Heidegger, Ser e tempo repousa sobre uma perspectiva fenomenológica, porque ele trabalha destrutivamente a facticidade em nome de uma liberação das estruturas constitutivas dessa facticidade e de uma volta aos fenômenos originários. (CASANOVA, Marco Antonio. Mundo e historicidade. Leitura fenomenológica de Ser e tempo. Volume um: existência e mundaneidade. Rio de Janeiro: Via Verita, 2017, p. 18-19)