Tanto Dreyfus como também Searle retomam a filosofia de Edmund Husserl ou de seu aluno, tão famoso quanto polêmico, Martin Heidegger. Husserl, argumentou, em seu escrito sobre a Crise já mencionado, contra a cientifização do retrato humano e introduziu o conceito de mundo da vida. Heidegger amplia o campo ainda mais ao tomar conhecimento dos começos da pesquisa de IA. Ele responde a isso com uma série de escritos nos quais a questão central é o que significa propriamente “pensar”.
As origens das reivindicações de explicação, hoje de amplo alcance, que estão interligadas com a era da informação, residem na assim chamada cibernética (do grego kybernêtês = condutor). A cibernética se estabilizou como uma área de pesquisa interdisciplinar em uma série de conferências que ocorreram de 1946 a 1953 nos Estados Unidos e foram financiadas pela Fundação Macy. O responsável (pelas conferências) foi o neuropsicólogo Warren McCulloch (1898-1969). A esse campo pertencem muitos cientistas, em particular o matemático Norbert Wiener (1894-1964), que cunhou de maneira decisiva a expressão “cibernética”, e o matemático e lógico John von Neumann (1903-1957), que, juntamente a Turing, conta como o mais relevante fundador da informática.
A cibernética tem muitas ramificações, e ela também está no fundamento do construtivismo que foi desenvolvido de maneira decisiva, por exemplo pelo já mencionado biólogo chileno Humberto Maturana e pelo psicólogo Paul Watzlawick (1921-2007), que, aliás, também atuava em Palo Alto. A ideia fundamental da cibernética enuncia que podemos descrever muitos processos (Prozesse) de processos de condução (Steuerungsvorgänge) para os quais se pode desenvolver circuitos reguladores (Regelkreise). Isso também vale para a esfera do pensar humano.
Acabei de reler nas conferências e artigos de Heidegger algumas passagens para verificar se eu me lembro corretamente do raciocínio que atribuo a Heidegger. Para fazer isso, tive, primeiramente, de conceber o plano de descer um andar para encontrar um livro correto em minha biblioteca. A ocasião para isso foi eu estar trabalhando agora neste parágrafo sobre Heidegger. A fim de executar o plano, tive de recorrer a passos intermediários que me são conhecidos porque estou familiarizado com o caminho para a biblioteca. O processo como um todo foi controlado por mim, portanto, sob a influência de um plano total com muitos planos parciais. Sou aí, como um condutor desse processo, eu mesmo uma parte de um circuito regulador de mecanismos de condução que vai muito além de mim, do que faz parte o trato com o livro, os planos de Heidegger de minar a cibernética, a produção de estantes de livros, o funcionamento de circuitos reguladores, assim como incontáveis outros sistemas que produzem os seus próprios processos de condução.
A cibernética sugere conceber também o pensamento como um processo de condução que se estuda por meio de métodos e técnicas formais e que pode ser transmitido a outros circuitos reguladores. Com isso, chegaríamos ao ponto de partida da pesquisa de IA que, desde as descobertas técnicas interligadas com a refinação das técnicas de informação, está em condições de simular cada vez mais esferas do pensamento humano na forma de loops de circuitos reguladores.
(GABRIEL, Markus. O sentido do pensar: A filosofia desafia a Inteligência Artificial. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021)