Schweigen. VIDE erschweigen
A fala é constitutiva da existência da presença [Dasein], uma vez que perfaz a constituição existencial de sua abertura. A escuta [Hören] e o SILÊNCIO [Schweigen] pertencem à linguagem falada como possibilidades intrínsecas. Somente nestes fenômenos é que se torna inteiramente nítida a função constitutiva da fala para a existencialidade da existência. De início, trata-se de elaborar a estrutura da fala como tal. STMSC: §34
Uma outra possibilidade constitutiva da fala, o SILÊNCIO, possui o mesmo fundamento existencial. Quem silencia na fala da convivência pode “dar a entender” com maior propriedade, isto significa, pode elaborar a compreensão por oposição àquele que não perde a palavra. Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada uma compreensão maior. Ao contrário, as falas prolixas encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente, ou seja, a incompreensão da trivialidade. Silenciar, no entanto, não significa ficar mudo. Ao contrário, o mudo é a tendência “para dizer”. O mudo não apenas não provou que pode silenciar, como lhe falta até a possibilidade de prová-lo. E, como o mudo, aquele que, por natureza, fala pouco, também ainda não mostra que silencia e pode silenciar. Quem nunca diz nada também não pode silenciar num dado momento. Silenciar em sentido próprio só é possível numa fala autêntica. Para poder silenciar, a presença [Dasein] deve ter algo a dizer {CH: e o a ser dito? (O ser)}, isto é, deve dispor de uma abertura própria e rica de si mesma. Pois só então o estar em SILÊNCIO se revela e, assim, abafa a “falação”. Como modo de fala, o estar em SILÊNCIO articula tão originariamente a compreensibilidade da presença [Dasein] que dele provém o verdadeiro poder escutar e a convivência transparente. STMSC: §34
O apelo dispensa qualquer verbalização. Ele não vem primeiro à palavra e, não obstante, nada permanece obscuro e indeterminado. A fala da consciência sempre e apenas se dá em SILÊNCIO. Não somente nada perde em termos de percepção, mas até leva a presença [Dasein] interpelada e apelada à silenciosidade [Verschwiegenheit] de si mesma. A falta de verbalização do que, no apelo, se apela não remete o fenômeno à indeterminação de uma voz misteriosa, mas mostra apenas que a compreensão não deve se apoiar na expectativa de uma comunicação ou de algo parecido. STMSC: §56
O apelo não relata nenhum dado ou conteúdo. Apela sem nenhuma verbalização. O apelo fala estranhamente em SILÊNCIO. E isso somente porque o apelo não interpela para a falação pública do impessoal mas sim para dele sair e passar para a silenciosidade do poder-ser existente. Em que contexto funda-se a certeza fria e estranha, embora não evidente, com a qual aquele que apela atinge o interpelado, senão em que, na estranheza de sua singularidade, a presença [Dasein] é para si absolutamente insubstituível? O que mais retira tão radicalmente da presença [Dasein] a possibilidade de deturpar a compreensão e o conhecimento de si do que a entrega e o abandono a si mesma? STMSC: §57
O terceiro momento essencial da abertura é a fala. Entendido como fala originária da presença [Dasein], o apelo exclui toda e qualquer fala contrária, algo no sentido de uma discussão negociadora do que diz a consciência. A escuta compreensiva do apelo recusa a fala contrária não porque essa escuta fosse atropelada por um “poder obscuro” e repressor mas por se apropriar, sem encobrimentos, do conteúdo do apelo. O apelo apresenta o insistente ser e estar em dívida, retirando, assim, o si-mesmo da algazarra da compreensão impessoal. Por isso a silenciosidade é o modo de articulação da fala que pertence ao querer-ter-consciência. Caracterizou-se o SILÊNCIO como possibilidade essencial da fala. Aquele que, silenciando, quer dar a compreender, deve “ter algo a dizer”. Na interpelação, a presença [Dasein] dá a compreender o seu poder-ser mais próprio. Por isso, o apelo é um SILÊNCIO. A fala da consciência nunca chega a articular-se. A consciência só apela em SILÊNCIO, ou seja, o apelo provém da mudez da estranheza e reclama a presença [Dasein] apelada para aquietar-se na quietude de si mesma. É só na silenciosidade, portanto, que o querer-ter-consciência compreende, adequadamente, essa fala silenciosa. A silenciosidade retira a palavra da falação e da compreensão impessoal. STMSC: §60
A presença [Dasein] é propriamente si-mesma na singularidade originária da decisão silenciosa pronta a angustiar-se {CH: a clareza de ser como ser}. No SILÊNCIO, o ser-si-mesmo em sentido próprio justamente não diz “eu-eu” porque, na silenciosidade, ele “é” o ente-lançado que, como tal, ele propriamente pode ser. O si-mesmo que desvela a silenciosidade da existência decidida é o solo fenomenal originário da questão sobre o ser do “eu”. A orientação fenomenal pelo sentido ontológico do poder-ser-si-mesmo em sentido próprio é que está em condições de discutir a legitimidade ontológica de se atribuir ao si-mesmo os caracteres de substancialidade, simplicidade e personalidade. A questão ontológica sobre o ser do si-mesmo deve ser arrancada da posição prévia de uma coisa contínua e simplesmente dada, constantemente sugerida pelo dizer-eu predominante. STMSC: §64
“O autêntico filólogo tem um conceito de história como de um baú de antiguidades. Eles não chegam ao que não se pode apalpar – aonde só se chega através de uma transposição psíquica viva. No fundo, eles são cientistas da natureza, que se tornam ainda mais céticos quando lhes falta o experimento. Devemos afastar-nos inteiramente de todas essas tralhas como, por exemplo, de quantas vezes Platão esteve na Magna Grécia ou em Siracusa. Pois aí não há vida alguma. Tais maneirismos exteriores, que só posso ver criticamente, tornam-se, por fim, um grande ponto de interrogação, reduzindo-se a uma vergonha quando comparados com as grandes realidades que são Homero, Platão e o Novo Testamento. Tudo o que é verdadeiramente real transforma-se em esquemas quando não vivenciado e apenas considerado como ‘coisa em si’” (p. 61). “Os cientistas se comportam face às forças do tempo à semelhança da sociedade francesa mais erudita e refinada frente ao movimento revolucionário. Tanto aqui como lá, trata-se apenas de formalismo, do culto da forma. Determinar relações é a última palavra da sabedoria. Essa orientação de pensamento possui naturalmente também – creio eu – a sua história ainda não escrita. A falta de solidez do pensamento e da crença em tal pensamento – considerando-se epistemologicamente é uma atitude metafísica – é um produto histórico” (p. 39). “As vibrações levantadas pelo princípio excêntrico que, por mais de quatrocentos anos, fez nascer um novo tempo, me parecem ter-se tornado extremamente amplas e rasas, o conhecimento progrediu no sentido da superação dele próprio, o homem retraiu-se para tão longe de si mesmo que não é mais capaz de ser um vendo a si. O ‘homem moderno’, ou seja, o homem desde a Renascença, está pronto para ser enterrado” (p. 83). Em contrapartida: “Toda história verdadeiramente viva e não apenas a que descreve a vida é crítica” (p. 19). “Mas conhecimento histórico é, em grande parte, conhecimento das fontes veladas” (p. 109). “Na história, o principal não é o espetáculo e o que dá na vista. Os nervos são invisíveis tal como o essencial. E da mesma forma que se diz: ‘Guardando SILÊNCIO, sereis fortes’, também é verdadeira a variante: Guardando SILÊNCIO, havereis de perceber, isto é, de compreender” (p. 26). “E, então, desfruto do diálogo do SILÊNCIO comigo mesmo e do trato com o espírito da história. Isso não se manifestou para Fausto em sua cela nem para Goethe em sua maestria. O diálogo não os teria espantado, por mais sério e penetrante que a manifestação pudesse ser. Num outro sentido e mais profundo, a manifestação é, na verdade, mais fraterna e próxima do que os habitantes dos bosques e dos campos. O esforço assemelha-se à luta de Jacó; a vitória é certa para quem luta. Ora, isso é o que, sobretudo, importa” (p. 133). STMSC: §77