Devemos duvidar do intérprete situado apenas no nível da superfície, no qual há regras estabelecidas que comandam os pontos que estabelecem a relação significado-significante. Em Lacan, aparecem muitas metáforas que expõem esse problema da seguinte maneira: o intérprete não tem responsabilidade na interpretação a partir do momento em que ele pode dispor de regras para atingir o significante. Dar informações sobre o inconsciente, mostrar como ele se articula por meio de matemas ou de uma “grelha” de significantes — isto pode ser ensinado como um conjunto de regras de interpretação, porém o aprendizado desta metodologia nos fornece apenas teorias. O que não pode ser transmitido, nesse caso, por essa “grelha”, é o que está do lado do intérprete e entra em jogo na análise, é o savoir-faire, o saber fazer — como Lacan o denomina — que não pode ser transmitido integralmente. Cada analista tem seu savoir-faire. E isso é da ordem da singularidade de cada um, esse saber fazer não se consegue dizer e não se pode interpretar do mesmo modo que ouvimos um vizinho ou um amigo. Esse tipo de interpretação já está na escuta, está naquilo que Freud vai chamar de atenção livremente flutuante. Sabemos que é a questão da transferência que aí está em jogo, quer dizer, onde há transferência, há interpretação. Lacan chega ao ponto de afirmar que a responsabilidade do intérprete ou analista só se dá ali onde se trata do saber fazer. O analista não tem responsabilidade na aplicação de regras ou dessa “grelha” teórica pela qual podemos ler a estrutura do inconsciente em geral. A responsabilidade ou o elemento ético da Psicanálise termina aparecendo aí onde ninguém mais pode intervir como um terceiro, porque este já é dado na relação entre analisante-analista. Desse modo, poderíamos alertar que o significante é realmente escutado na Psicanálise quando ele aparece no saber-fazer do analista, na “circulação de inconscientes”, e não quando “abrimos a grelha” para ver qual significante aparece.
(STEIN, Ernildo. Analítica Existencial e Psicanálise. Freud — Binswanger — Lacan — Boss. Ijuí: Editora Unijuí, 2012b)