ION era rapsodo, um intérprete de Homero, poeta que interpretou a existência humana no modo de ser grego. No diálogo ION de Platão, Sócrates esclarece ao cantador de Homero, que todo intérprete interpreta, sempre, outros intérpretes.
Toda interpretação interpreta outra interpretação. Para e por radicalmente ser, o homem está sempre interpretando. Na existência joga-se o jogo de ser homem dos homens. E por isso que estamos sempre interpretando. No sono e na vigília, no sonho e nas fantasias, quando agimos e ou deixamos de agir, quando fazemos qualquer coisa ou deixamos de fazer, estamos interpretando, tanto o que somos e não somos, querendo, apenas, ser, tanto o que temos ou não temos, querendo, apenas, ter. E, por um motivo bastante simples, diz Sócrates. Não somente ser homem é interpretar, mas interpretar é ser homem. Isto significa que em todo e qualquer desempenho dos homens está em causa o próprio homem.
Todavia, em que consiste este interpretar tão radical? Que é, então, interpretação?
Como é sabido, o verbo interpretar nas línguas neo-latinas vem do latim inter-pretari, em si mesmo já composto da preposição inter, com o sentido de “entre”, “no meio de”, e do verbo praetari, no sentido de servir, prestar. Assim, inter-pretar diz intermediar, fazer mediação entre pessoas e coisas, entre situações ou criações.
(CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a Pensar III. Teresópolis: Daimon Editora, 2017)