LOGOS

Aqui se impõe uma observação fundamental. Se nós agora ou mais tarde prestamos atenção às palavras da língua grega, penetramos numa esfera privilegiada. Lentamente vislumbramos em nossa reflexão que a língua grega não é uma simples língua como as europeias que conhecemos. A língua grega, e somente ela, é logos. Disto ainda deveremos tratar ainda mais profundamente em nossas discussões. Para o momento sirva a indicação: o que é dito na língua grega é, de modo privilegiado, simultaneamente aquilo que em dizendo se nomeia. Se escutarmos de maneira grega uma palavra grega, então seguimos seu legein, o que expõe sem intermediários, O que ela expõe é o que está aí diante de nós. Pela palavra grega verdadeiramente ouvida de maneira grega, estamos imediatamente sem presença da coisa mesma, aí diante de nós, e não primeiro apenas diante de uma simples significação verbal. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?

A palavra grega philosophia remonta à palavra philosophos. Originariamente esta palavra é um adjetivo como philargyros, o que ama a prata, como philotimos, o que ama a honra. A palavra philosophos foi presumivelmente criada por Heráclito. Isto quer dizer que para Heráclito ainda não existe a philosophia. Um aner philosophos não é um homem ‘filosófico’. O adjetivo grego philosophos significa algo absolutamente diferente que os adjetivos filosófico, philosophique. Um aner philosophos é aquele, hos philei ta sophon; philein, que ama a sophon significa aqui, no sentido de Heráclito: homologein, falar assim como o logos fala, quer dizer, corresponder ao logos. Este corresponder está em acordo com o sophon. Acordo é harmonia. O elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito, é a harmonia que se revela na recíproca integração de dois seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para com o outro. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?

O aner philosophos ama o sophon. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com isto, ta sophon significa: hen panta ‘Um (é) Tudo’. Tudo quer dizer aqui: panta ta onta, a totalidade, o todo do ente. hen, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é, entretanto, todo o ente no ser. O sophon significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente: o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento – logos. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?

Uma tal procura que aspira pelo sophon, pelo hen panta, pelo ente no ser, se articula agora numa questão: que é o ente, enquanto é? Somente agora o pensamento toma-se “filosofia”. Heráclito e Parmênides ainda não eram “filósofos”. Por que não? Porque eram os maiores pensadores. “Maiores” não designa aqui o cálculo de um rendimento, porém aponta para uma outra dimensão do pensamento. Heráclito e Parmênides eram “maiores” no sentido de que ainda se situavam no acordo com o logos, quer dizer, com o hen Pánta. O passo para a “filosofia”, preparado pela sofística, só foi realizado por Sócrates e Platão. Aristóteles então, quase dois séculos depois de Heráclito, caracterizou este passo com a seguinte afirmação: Kai de kai ta palai te kai nyn kai aei zetoumenon kai aei aporoumenon, ti to ón? (Metafísica, VI, 1, 1028 b 2 ss.). Na tradução isso soa: “Assim, pois, é aquilo para o qual (a filosofia) está em marcha já desde os primórdios, e também agora e para sempre e para o qual sempre de novo não encontra acesso (e que é por isso questionado): que é o ente? (ti to ón)”. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?

Este co-responder é um falar. Está a serviço da linguagem. O que isto significa é de difícil compreensão para nós hoje, pois nossa representação comum da linguagem passou por um estranho processo de transformações. Como consequência disso a linguagem aparece como um instrumento de expressão. De acordo com isso, tem-se por mais acertado dizer que a linguagem está a serviço do pensamento em vez de: o pensamento como co-respondência está a serviço da linguagem. Mas, antes de tudo, a representação atual da linguagem está tão longe quanto possível da experiência grega da linguagem. Aos gregos se manifesta a essência da linguagem como o logos. Mas o que significa logos e legein? Apenas hoje começamos lentamente, através de múltiplas interpretações do logos, a descerrar para nossos olhos o véu sobre sua originária essência grega. Entretanto, nós não somos capazes nem de um dia regressar a esta essência da linguagem, nem de simplesmente assumi-la como herança. Pelo contrário, devemos entrar em diálogo com a experiência grega da linguagem como logos. Por quê? Porque nós, sem uma suficiente reflexão sobre a linguagem, jamais sabemos verdadeiramente o que é a filosofia como a co-respondência acima assinalada, o que ela é como uma privilegiada maneira de dizer. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?

A metafísica diz o que é o ente enquanto o ente. Ela contém um logos (enunciação) sobre o ón (o ente). O título tardio “ontologia” assinala sua essência, suposto, é claro, que o compreendamos pelo seu conteúdo autêntico e não na estreita concepção “escolástica”. A metafísica se movimenta no âmbito do ón he ón. Sua representação se dirige ao ente enquanto ente. Desta maneira, a metafísica representa, em toda parte, o ente enquanto tal e em sua totalidade, a entidade do ente (a ousia do ón). A metafísica, porém, representa a entidade do ente de duas maneiras: de um lado a totalidade do ente enquanto tal, no sentido dos traços mais gerais (ón kathólou, koinon); de outro, porém, e ao mesmo, a totalidade do ente enquanto tal, no sentido do ente supremo e por isso divino (ón katholou, akrotaton, theion). Em Aristóteles o desvelamento do ente enquanto tal propriamente se projetou nesta dupla direção (vide Metafísica, Livros XI, V e X). MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA

Assim se distingue, por exemplo, a verdade do puramente subsistente (por exemplo, as coisas materiais) como descoberta, especificamente da verdade do ente que nós mesmos somos, da abertura, do ser-aí existente [Cf. ibidem § 60, p. 295 ss. (N. do A.)]. Por mais variadas que sejam as diferenças de ambas as espécies de verdade ôntica, para toda revelação antepredicativa vale o fato de que o âmbito revelador nunca possui, primariamente, o caráter de uma pura representação (intuição), nem mesmo na contemplação “estética”. A caracterização da verdade antepredicativa como intuição se insinua com facilidade pelo fato de a verdade ôntica, e aparentemente a verdade propriamente dita, ser determinada como verdade proporcional, isto é, como “união da representação”. O mais simples em face desta é, então, um puro representar, livre de toda união predicativa. Este representar tem, não há dúvida, sua função própria para a objetivação do ente, certamente, então já sempre necessariamente revelado. A revelação ôntica mesma, porém, acontece num sentir-se situado em meio ao ente, marcado pela disposição de humor, pela impulsividade e em comportamentos em face do ente, tendências e volitivos que se fundam naquele sentimento de situação [Sobre “sentimento de situação”, cf. ibidem § 29, p. 134 ss. (N. do A.)]. Contudo, mesmo estes comportamentos não seriam capazes de tornar acessível o ente em si mesmo, interpretados como antepredicativos ou como predicativos, se sua ação reveladora não fosse sempre antes iluminada e conduzida por uma compreensão do ser (constituição do ser: que-ser e como-ser) do ente. Desvelamento do ser é o que primeiramente possibilita o grau de revelação do ente. Este desvelamento como verdade sobre o ser é chamado verdade ontológica. Não há dúvida, os termos ‘ontologia’ e “ontológico” são multívocos, e de tal maneira que, justamente, escondem o problema propriamente dito de uma ontologia. logos do ón significa: o interpelar (legein) do ente enquanto ente, significa, porém, ao mesmo tempo o horizonte (woraufhin) em direção do qual o ente é interpelado (legómenon). Interpelar algo enquanto algo não significa ainda necessariamente: compreender o assim interpelado em sua essência. A compreensão do ser (logos num sentido bem amplo), que previamente ilumina e orienta todo o comportamento para o ente, não é nem um captar o ser como tal nem um reduzir ao conceito o assim captado (logos no sentido mais estrito – conceito “ontológico”). A compreensão do ser, ainda não reduzida ao conceito, designamos, por isso, compreensão pré-ontológica ou também ontológica, em sentido mais amplo. Conceituar o ser pressupõe que a compreensão do ser se tenha elaborado a si mesma e que tenha transformado propriamente em tema e problema o ser nela compreendido, projetado em geral e de alguma maneira desvelado. Entre compreensão pré-ontológica do ser e expressa problematização da conceituação do ser, há muitos graus. Um grau característico é, por exemplo, o projeto da constituição do ser do ente, através do qual é, concomitantemente, delimitado um determinado campo (natureza, história) como área de possível objetivação através do conhecimento cientifico. A prévia determinação do ser (que-ser e como-ser) da natureza em geral se fixa nos “conceitos fundamentais” da respectiva ciência. Nestes conceitos são, por exemplo, delimitados espaço, lugar, tempo, movimento, massa, força, velocidade; todavia, a essência do tempo, do movimento, não é propriamente problematizada. A compreensão ontológica do ente puramente subsistente é aqui reduzida a um conceito, mas a determinação conceitual de tempo e lugar etc., as definições, são reguladas, em seu ponto de partida e amplitude, unicamente pelo questionamento fundamental que na respectiva ciência é dirigido ao ente. Os conceitos fundamentais da ciência atual não contêm, nem já os “autênticos” conceitos ontológicos do ser do respectivo ente nem podem estes ser simplesmente conquistados por uma “adequada” ampliação daqueles. Muito antes, devem ser conquistados os originários conceitos ontológicos antes de toda definição científica dos conceitos fundamentais, de tal modo que, a partir daqueles, se torne possível estimar de que maneira restritiva e, em cada caso, delimitadora a partir de um ponto de vista, os conceitos fundamentais das ciências atingem o ser, somente captável em conceitos puramente ontológicos. O “fato” das ciências, isto é, conteúdo fático de compreensão do ser que elas necessariamente encerram, como qualquer comportamento para com o ente, não é nem instância fundadora para o a priori nem a fonte do conhecimento do mesmo, mas é apenas uma possível e motivadora orientação que aponta para a originária constituição ontológica, por exemplo, de história ou de natureza, orientação que ainda, por sua vez, deve permanecer submetida a constante crítica, que já recebeu os pontos que tem em mira da problemática fundamental de todo o questionamento do ser do ente. MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO

Mas, afinal, é preciso ainda proceder-se a um especial desvelamento da essência da verdade? Não está a essência pura da verdade suficientemente explicitada por esta noção comumente válida que nenhuma teoria perturba e que protege sua evidência. Se, enfim, tomarmos a redução da verdade da proposição à verdade da coisa, por aquilo que ela significa ordinariamente, a saber, por uma explicação teológica, e se procurarmos manter inteiramente depurada a determinação filosófica da essência de qualquer intromissão da teologia e se restringirmos o conceito de verdade à verdade da proposição, então nos encontramos, ao mesmo tempo, com uma tradição antiga do pensamento, ainda que não a mais antiga, segundo a qual a verdade consiste na concordância (omóiosis) de uma enunciação (logos) com o seu objeto (pragma). Que nos restará para investigar se admitirmos que sabemos o que significa a concordância de uma enunciação com uma coisa? Mas sabemos nós isto? MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O comum-pertencer de homem e ser ao modo da recíproca provocação nos faz ver, de uma proximidade desconcertante, o fato e a maneira como o homem está entregue como propriedade ao ser e como o ser é apropriado ao homem. Trata-se de simplesmente experimentar este ser próprio de, no qual homem e ser estão reciprocamente a-propriados, experimentar que quer dizer penetrar naquilo que digamos acontecimento-apropriação. A palavra acontecimento-apropriação é tomada da linguagem natural. “Er-eignen” (acontecer) significa originariamente: “er-äugnen”, quer dizer, descobrir com o olhar, despertar com o olhar, apropriar. A palavra acontecimento-apropriação deve, agora, pensada a partir da coisa apontada, falar como palavra-guia a serviço do pensamento. Como palavra-guia assim pensada, ela se deixa traduzir tão pouco quanto a palavra-guia grega logos ou a chinesa Tao. A palavra acontecimento-apropriação não significa mais aqui aquilo que em geral chamamos qualquer acontecimento, uma ocorrência. A palavra é empregada agora como singulare tantum. Aquilo que designa só se dá no singular, no número da unidade, ou nem mesmo num número, mas unicamente. O que no arrazoamento, como constelação de ser e homem, experimentamos através do moderno universo da técnica, é um prelúdio daquilo que se chama acontecimento-apropriação. Este, contudo, não permanece necessariamente em seu prelúdio. Pois no acontecimento-apropriação fala a possibilidade de ele poder superar e realizar em profundidade o simples imperar do arrazoamento num acontecer mais originário. Uma tal superação e aprofundamento do arrazoamento, partindo do acontecimento-apropriação e nele penetrando, traria a redenção historial – portanto, jamais unicamente factível pelo homem – do universo técnico, de sua ditadura, para pô-lo a serviço no âmbito através do qual o homem encontra mais.autenticamente o caminho para o acontecimento-apropriação. MHeidegger: IDENTIDADE E DIFERENÇA

O co-pertencer-se de ser e unidade, de on e hen, já se mostra ao pensamento no grande começo da filosofia ocidental. Quando nos citam, hoje em dia, simplesmente as duas expressões “ser” e “unidade”, praticamente não somos capazes de dar uma resposta adequada sobre o co-pertencer-se de ambos ou de ver o fundamento deste co-pertencer-se; pois não pensamos nem “unidade” e unir a partir da essência unificante-desvelante do logos, nem “ser” como presentar que se desvela nem mesmo pensamos o co-pertencer-se de ambos que já os gregos deixaram impensados. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

E o que significa este “após ela” no texto? Não quer dizer que toda lógica tem em si mesma prioridade sobre a filosofia transcendental, mas quer dizer: somente e apenas quando toda a lógica está inserida no lugar da apercepção transcendental, pode atuar no interior da ontologia crítica, vinculada com o dado da intuição sensível, e atuar como fio condutor da determinação dos conceitos (categorias) e dos princípios do ser do ente. A situação é esta porque o “primeiro conhecimento puro do entendimento” (quer dizer, a adequada caracterização do ser do ente) é “o princípio da unidade originária sintética da apercepção” (§ 17, B 137). De acordo com isto, este princípio é um princípio de unificação, e a “unidade” não é uma simples justaposição, mas è elemento que unifica e reúne, logos no sentido primordial, ainda que transferido e mudado para o eu-sujeito. Este logos tem em seu poder “a lógica inteira”. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

Se a situação é esta, não deveria também a maneira de interpretar o ser, o modo de pensar, ter um caráter diferente e adequado? Desde a Antiguidade chama-se a teoria do pensamento “lógica”. Se, entretanto, o pensamento, em sua relação com o ser, é ambíguo: enquanto antecipação de horizonte e enquanto organon, não permanecerá, na perspectiva citada, também ambíguo aquilo que se chama “lógica? Não se torna absolutamente problemática “a lógica” enquanto organon e enquanto horizonte da interpretação do ser? Uma consideração que procura dirigir-se nesta direção não se volta contra a lógica, mas se aplica a determinar de maneira suficiente o logos, isto é, aquele dizer no qual o ser se manifesta na linguagem como o mais digno de ser pensado. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

Podemos, no entanto, verificar historiograficamente a profusão de transformações mostrando que pre-s-entar se manifesta nos primórdios como o hen, o unificante único-uno, como o logos, o recolhimento que guarda o todo, como a ideia, ousia, energeia, substantiva, actualitas, perceptio, mônada, como objetividade, como formalidade do impor-se no sentido da vontade, da razão, do amor, do espírito, do poder, como vontade de vontade, no eterno retorno do mesmo. O historiograficamente verificável pode ser encontrado em meio à história. O desdobramento da profusão de transformações do ser assemelha-se, à primeira vista, a uma história do ser. Mas o ser não possui história como uma cidade ou um povo tem sua história. O caráter historial da história do ser determina-se certamente a partir disto e somente assim: como ser acontece, quer dizer, de acordo com o que foi até agora apresentado, a partir maneira como o ser se dá. MHeidegger: TEMPO E SER

No destinar do destino do ser, no alcançar do tempo, mostra-se um apropriar-se trans-propriar-se, do ser como presença e do tempo como âmbito do aberto, no interior daquilo que lhes é próprio. Aquilo que determina a ambos, tempo e ser, o lugar que lhes é próprio, denominamos: das Ereignis (o acontecimento-apropriação). [Ainda que Ereignis possa ser traduzido por acontecimento-apropriação, mantém-se doravante o termo alemão, pois de maneira alguma é possível transpor para o vernáculo toda a riqueza de conotações do termo original. Heidegger mesmo dá-me razão: “Ereignis como palavra-guia deixa-se tão pouco traduzir quanto a palavra-guia grega logos ou a chinesa Tao”. Vide Que É Isto – a Filosofia? – Identidade e Diferença. (N. do T.)] O que nomeia esta palavra, somente podemos pensar agora a partir daquilo que se manifesta na vista prévia sobre ser e sobre tempo como destino e como alcançar, onde é o lugar de tempo e ser. A ambos, tanto ser como tempo, denominamos questões. O “e” entre ambos deixou sua relação recíproca no indeterminado. MHeidegger: TEMPO E SER

Não é possível esboçar aqui como Hegel articula e apresenta, no horizonte da instância da beleza como instância da abstração, a história da filosofia grega. Em vez disso apontarei brevemente para a interpretação hegeliana de quatro palavras fundamentais da filosofia grega. Elas falam a linguagem da palavra-guia “ser”, einai (eon, ousia). Sua voz fala sempre de novo na filosofia ocidental posterior até nossos dias. Enumeremos as quatro palavras fundamentais, com a tradução de Hegel: 1. hen, o universo; 2. logos, a razão; 3. idea, o conceito; 4. energeia, a atualidade. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

hen é a palavra de Parmênides. logos é a palavra de Heráclito. idea é a palavra de Platão. energeia é a palavra de Aristóteles. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

A palavra fundamental de Heráclito é: logos, o recolhimento que torna presente e manifesto tudo o que é em sua totalidade enquanto o ente. logos é o nome que Heráclito dá ao ser do ente. Mas, a interpretação hegeliana da filosofia de Heráclito justamente não se orienta na direção do logos. Isto é estranho, tanto mais estranho quanto Hegel conclui o prefácio à sua interpretação de Heráclito com as palavras: “não há proposição alguma de Heráclito que eu não tenha incluído na minha lógica.” (Op. cit., pág. 328). Mas para esta “lógica” de Hegel é o logos a razão no sentido da subjetividade absoluta; a “lógica” mesma, todavia, é a dialética especulativa através de cujo movimento o imediatamente universal e abstrato, o ser, é refletido enquanto o objetivo na oposição com relação ao sujeito; esta reflexão é, por sua vez, determinada enquanto a mediação no sentido do vir-a-ser em que o oposto se aproxima, torna-se concreto, alcançando assim a unidade. Captar esta unidade constitui a essência da especulação que se desdobra como dialética. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

A elucidação das quatro palavras fundamentais revela: Hegel compreende hen, logos, idea, energeia no horizonte do ser que concebe como o universal abstrato. O ser e, por conseguinte, aquilo que é representado nas palavras fundamentais não é ainda determinado e não é ainda mediado através e para dentro do movimento dialético da subjetividade absoluta. A filosofia dos gregos é a instância deste “ainda não”: Ela não é ainda a consumação, mas, contudo, é unicamente concebida do ponto de vista desta consumação que se definiu como o sistema do idealismo especulativo. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

Quando Hegel interpreta o ser a partir da subjetividade absoluta especulativo-dialeticamente como o indeterminado imediato, o universal abstrato e neste horizonte da filosofia moderna, explica as palavras gregas fundamentais para o ser: hen, logos, idea, energeia, somos tentados a julgar que tal interpretação é historicamente incorreta. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

No que se refere a Hegel e os gregos isto significa: precede a todas as enunciações certas ou erradas sobre a história, o fato de que Hegel experimentou a essência da história a partir da essência do ser no sentido da subjetividade absoluta. Até o momento não existe uma experiência da história que, sob o ponto de vista filosófico correspondesse a esta experiência hegeliana da história. Mas a determinação especulativo-dialética da história traz justamente como consequência o fato de para Hegel ter sido vedado descobrir a aletheia e seu imperar propriamente como a questão do pensamento; isto aconteceu exatamente na filosofia que determinara “o reino da pura verdade” como “a meta” da filosofia. Pois Hegel experimenta o ser quando o concebe como o indeterminado imediato, como posto pelo sujeito que determina e compreende. Consequentemente não é ele capaz de libertar o ser no sentido grego, o einai, da referência ao sujeito para então entregá-lo à liberdade de seu próprio acontecer fenomenológico. Este, porém é o pre-sentar, quer dizer, o surgir contínuo desde o velamento para o desvelamento. No pre-sentar se manifesta a desocultação. Ela acontece no hen e no logos, isto é, no jazer-aí unificando e recolhendo – quer dizer no deixar demorar-se como presença. A aletheia acontece na idea e na koinonia das ideias, na medida em que estas se manifestam umas às outras, constituindo, desta maneira, o ente-ser, o ontos ón. A aletheia acontece na energeia, que nada tem a ver com actus e nada com atividade, mas somente com o ergon experimentado em seu sentido grego e seu caráter de ser-pro-duzido para dentro do pre-sentar. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS

Deve todavia, ser o homem em que aqui se pensa necessariamente determinado como sujeito? Significa “para o homem” já obrigatoriamente: posto pelo homem? Ambas as coisas podemos negar e nos vemos levados a lembrar que a aletheia, pensada em sentido grego, sem dúvida alguma, impera para o homem, mas que o homem permanece determinado pelo logos. O homem é aquele que diz. Dizer, no alemão arcaico sagan, significa: mostrar, fazer aparecer e ver. O homem é o ser que pelo dizer faz surgir o presente em sua presença e assim percebe o aí-jaz-presente. O homem apenas sabe falar na medida em que é aquele que diz. MHeidegger: HEGEL E OS GREGOS