lei da persistência

Aqui, deitamos somente uma olhadela ao primeiro axioma, quer dizer, àquela lei do movimento que Newton coloca no início da sua obra [Principia Mathematica]. Ela tem o seguinte teor: «Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a umbus impressas cogitur statum illum mutare.» «Cada corpo permanece no seu estado de repouso, ou no movimento uniforme em linha reta, quando não é e na medida em que não é forçado, por forças nele impressas, a mudar do estado em que se encontra.» Chama-se a esta lei, a lei da persistência (ou, com menos felicidade, «lex inertiae», lei da inércia).

A segunda edição da obra foi publicada ainda em vida de Newton, no ano de 1713, por Cotes, o então professor de Astronomia em Cambridge, acompanhada por um prefácio introdutório. Aí, Cotes escreveu, acerca desta lei, o seguinte: «naturae lex est ab omnibus recepta philosophia», «é uma lei da natureza aceita por todos os investigadores».

Quem hoje, e desde há muito, estuda física, mal pensa nesta lei. Nomeamo-la como qualquer coisa de evidente, supondo, em geral, que ainda a nomeamos e dela sabemos que é uma lei fundamental e em que medida o é. E, no entanto, cem anos antes de Newton a ter colocado desta forma no início da sua física, ela era ainda desconhecida. Newton também não a tinha descoberto, mas Galileu antes dele, que todavia a tinha empregado nos seus últimos trabalhos sem a ter exprimido em sentido próprio. O professor genovês Baliam referiu-se, pela primeira vez, à lei já encontrada, como uma lei universal; Descartes acolheu-a nos seus Principia Philosophiae e procurou fundamentá-la metafisicamente; em Leibniz, ela desempenha o papel de um princípio metafísico (cf. Gehr. IV, 518, contra Bayle).

Até ao século XVII, inclusive, esta lei não é de forma alguma evidente. No milênio e meio anterior, não só permaneceu desconhecida, como a natureza e o ente foram, em geral, experimentados de tal modo que esta lei não podia [84] ter sentido. Na sua descoberta e na sua avaliação como lei fundamental está presente uma transformação, que pertence aos maiores acontecimentos do pensar humano e que dá, pela primeira vez, um solo à modificação da representação da totalidade da natureza, de ptolomaica em copernicana. Certamente, a lei da persistência e a sua determinação teve os seus percursores na antiguidade. Demócrito (séculos V/VI a.C.), em certos traços fundamentais, movimenta-se nesta direção. Entretanto, afirmou-se que a época de Galileu, tal como o próprio Galileu, conhecia, em parte de forma mediata, em parte diretamente, o pensamento de Demócrito. Mas, tal como acontece com o que já foi pensado antes e com o que já se encontra nos filósofos antigos, todas essas coisas são vistas pela primeira vez quando, elas próprias, são pensadas de novo. Kant exprimiu-se uma vez, com muita clareza, acerca deste fato fundamental da história do espírito, quando os contemporâneos pretenderam, após o aparecimento da sua obra principal, que aquilo que ela apresentava já Leibniz o teria dito. Para contestar Kant neste caminho, o professor Eberhard, de Halle (um seguidor da escola de Wolff-Leibniz), fundou um periódico especial, o Philosophische Magazin. A crítica a Kant foi tão superficial e, simultaneamente, tão arrogante, que encontrou um grande eco junto do público em geral. Na medida em que este movimento se tornou excessivo, Kant deu-se ao «trabalho fastidioso» de escrever um artigo polêmico, com o título Acerca de uma descoberta segundo a qual qualquer nova crítica da razão se deve tornar dispensável por uma mais antiga. O escrito começa deste modo:

«O senhor Eberhard descobriu que (…) “a filosofia leibniziana continha uma critica da razão pura, tanto como a nova, pela qual, em consequência, introduziu uma dogmática fundada numa análise suficiente da capacidade de conhecer, com o que contém tudo o que há de verdadeiro na última e mesmo ainda mais do que esta, por um alargamento fundamentado do poder do entendimento.” Como possa ter acontecido que, desde há muito, ninguém tenha ainda visto estas coisas na filosofia do grande homem e na sua filha, a wolffiana, ele não o esclarece; mas quantas coisas são agora tomadas, por intérpretes sem habilidade, por novas, nas descobertas já feitas, depois de se lhes ter indicado aquilo que eles deveriam ver.»

Assim acontecia também no tempo de Galileu: à medida que as novas maneiras de pôr os problemas iam sendo compreendidas, podia, após elas, voltar-se de novo a ler Demócrito; à medida em que se compreendia Demócrito com a ajuda de Galileu, podia apontar-se que este, em sentido próprio, nada de novo afirmava. Não só todas as novas perspectivas e descobertas são geralmente concebidas, simultaneamente, por muitos outros, como devem ser também pensadas outra vez, num único esforço para acerca delas dizer verdadeiramente o mesmo. [GA41]