Seja qual for o modo de explicação do ente, como espírito no sentido do espiritualismo, como matéria e força no sentido do materialismo, como vir-a-ser e vida, como representação, como vontade, como substância, como sujeito, como enérgeia, como eterno retorno do mesmo, sempre o ente enquanto ente aparece na luz do ser. Em toda parte, se iluminou o ser, quando a metafísica representa o ente. O ser se manifestou num desvelamento (alétheia). Permanece velado o fato e o modo como o ser traz consigo tal desvelamento, o fato e o modo como o ser mesmo se situa na metafísica e a assinala enquanto tal. O ser não é pensado em sua essência desveladora, isto é, em sua verdade. Entretanto, a metafísica fala da inadvertida revelação do ser quando responde a suas perguntas pelo ente enquanto tal. A verdade do ser pode chamar-se, por isso, o chão no qual a metafísica, como raiz da árvore da filosofia, se apóia e do qual retira seu alimento. Pelo fato de a metafísica interrogar o ente, enquanto ente, permanece ela junto ao ente e não se volta para o ser enquanto ser. Como raiz da árvore ela envia todas as seivas e forças para o tronco e os ramos. A raiz se espalha pelo solo para que a árvore dele surgida possa crescer e abandoná-lo. A árvore da filosofia surge do solo onde se ocultam as raízes da metafísica. O solo é, sem dúvida, o elemento no qual a raiz da árvore se desenvolve, mas o crescimento da árvore jamais será capaz de assimilar em si de tal maneira o chão de suas raízes que desapareça como algo arbóreo na árvore. Pelo contrário, as raízes se perdem no solo até as últimas radículas. O chão é chão para a raiz; dentro dele ela se esquece em favor da árvore. Também a raiz ainda pertence à árvore, mesmo que a seu modo se entregue ao elemento do solo. Ela dissipa seu elemento e a si mesma pela árvore. Como raiz ela não se volta para o solo; ao menos não de modo tal como se fosse sua essência desenvolver-se apenas para si mesma neste elemento. Provavelmente, também o solo não é tal elemento sem que o perpasse a raiz. MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA
Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra a revelação do ser com a essência do homem, como também a referência fundamental do homem à abertura (“ai’) do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em que se situa o homem enquanto homem, o nome “ser-aí”. Isto foi feito, apesar de a metafísica usar este nome para aquilo que em geral é designado existentia, atualidade, realidade e objetividade, não obstante até se falar, na linguagem comum, em “ser-aí humano”, repetindo o significado metafísico da palavra. Por isso obvia toda possibilidade de se pensar o que nós entendemos quem se contenta apenas em averiguar que em Ser e Tempo usa-se, em vez de “consciência”, a palavra “ser-aí”. Como se aqui estivesse apenas em jogo o uso de palavras diferentes, como se não se tratasse desta coisa única: da relação do ser com a essência do homem e com isto, visto a partir de nós, como se não se tratasse de levar o pensamento [81] primeiramente diante da experiência essencial do homem, suficiente para a interrogação decisiva. Nem a palavra “ser-ai” tomou o lugar da palavra “consciência”, nem a “coisa” chamada “ser-aí” passou a ocupar o lugar daquilo que é representado sob o nome “consciência”. Muito antes, com o “ser-ai’ é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado. MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA
Ainda que a relação de ser e pensar – ou de ser e homem – não venha expressamente analisada na conferência, deve-se precisar que faz essencialmente parte de cada passo da questão do ser. Nisto deve atentar-se a um duplo papel do pensamento. O pensamento que faz essencialmente parte da revelação do ser é, primeiro, o pensamento que se conhece como a caracterização do homem. A partir do ponto de vista de Ser e Tempo, pode ser denominado o pensamento que compreende. Por outro lado, o pensamento é o pensamento que explicita, portanto, o pensamento que pensa a relação de ser e pensar e a questão do ser como tal. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”