Lichtung
Mas o que é que permanece impensado, tanto na questão da Filosofia como em seu método? A dialética especulativa é um modo como a questão da Filosofia chega a aparecer a partir de si mesma para si mesma, tornando-se assim presença. Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade. Somente através dela pode mostrar-se aquilo que aparece, isto é, brilha. A claridade, por sua vez, porém, repousa numa dimensão de abertura e de liberdade que aqui e acolá, de vez em quando, pode clarear-se. A claridade acontece no aberto e aí luta com a sombra. Em toda parte, onde um ente se presenta em face de um outro que se presenta ou apenas se demora ao seu encontro; mas também ali, onde, como em Hegel, um ente se reflete no outro especulativamente, ali também já impera abertura, já está em jogo o livre espaço.
Somente esta abertura garante também à marcha do pensamento especulativo sua passagem através daquilo que ela pensa.
Designamos esta abertura, que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se, com a CLAREIRA (die Lichtung). A palavra alemã “Lichtung” é, sob o ponto de vista da história da língua, uma tradução do francês “Clairière”. Formou-se segundo o modelo das palavras mais antigas “Waldung” e “Feldung”.
A CLAREIRA da floresta contrasta com a floresta cerrada; na linguagem mais antiga esta era dominada “Dickung”?
O substantivo “CLAREIRA” vem do verbo “clarear”. O adjetivo “claro” (“licht”) é a mesma palavra que “leicht”. Clarear algo quer dizer: tornar algo leve, tornar algo livre e aberto, por exemplo, tornar a floresta, em determinado lugar, livre de árvores. A dimensão livre que assim surge é a CLAREIRA. O claro, no sentido de livre e aberto, não possui nada de comum, nem sob o ponto de vista linguístico, nem no atinente à coisa que é expressa, com o adjetivo “luminoso” que significa “claro”.
Isto deve ser levado em consideração para se compreender a diferença entre Lichtung e Licht. Subsiste, contudo, a possibilidade de uma conexão real entre ambos. A luz pode, efetivamente, incidir na CLAREIRA, em sua dimensão aberta, suscitando aí o jogo entre o claro e o escuro. Nunca, porém, a luz primeiro cria a CLAREIRA; aquela, a luz, pressupõe esta, a CLAREIRA. A CLAREIRA, no entanto, o aberto, não está apenas livre para a claridade é a sombra, mas também para a voz que reboa e para o eco que se perde, para tudo que soa e ressoa e morre na distância. A CLAREIRA é o aberto para tudo que se presenta e ausenta.
Impõe-se ao pensamento a tarefa de atentar para a questão que aqui é designada como CLAREIRA. Ao fazer isto, não se extraem - como facilmente poderia parecer a um observador superficial - simples representações de puras palavras, por exemplo, “CLAREIRA”. Trata-se muito antes, de atentar que a singularidade da questão que é nomeada, de maneira adequada à realidade, com o nome de “CLAREIRA”. O que a palavra designa no contexto agora pensado, a livre dimensão do aberto, é, para usarmos uma palavra de Goethe, um “fenômeno originário”. Melhor diríamos: uma questão originária. Goethe observa (Máximas e Reflexões, n° 993): “Que não se invente procurar nada atrás dos fenômenos: estes mesmos são a doutrina”. Isto quer dizer: o próprio fenômeno, no caso presente, a CLAREIRA, nos afronta com a tarefa de, questionando-o, dele aprender, isto é, deixar que nos diga algo.
De acordo com isto, o pensamento provavelmente não deverá temer levantar um dia a questão se a CLAREIRA, a livre dimensão do aberto, não é precisamente aquilo em que tanto o puro espaço como o tempo estático e tudo o que neles se presenta e ausenta possui o lugar que recolhe e protege. (MHeidegger 102)