====== GA6 – “vontade de poder” ====== Wille sur Macht **“Vontade de poder”** – essa expressão desempenha um duplo papel no pensamento de Nietzsche: 1. GA6MAC I É fácil perceber como esses dois empregos da expressão **“vontade de poder”** estão em conexão: somente porque a expressão desempenha o segundo papel, ela também pode assumir o primeiro. GA6MAC I Como o nome para o caráter fundamental de todo ente, a expressão **“vontade de poder”** dá uma resposta à pergunta sobre o que é afinal o ente. GA6MAC I É por isso que a denominação **“vontade de poder”** precisa ser estabelecida como o título da obra filosófica capital de um pensador que diz: todo ente é, no fundo, vontade de poder. GA6MAC I A expressão **“vontade de poder”** denomina o caráter fundamental do ente; todo ente que é, na medida em que é, é: vontade de poder. GA6MAC I Mas se a doutrina nietzschiana do eterno retorno perfaz o centro mais íntimo do pensar metafísico em Nietzsche, então não é errôneo ou ao menos unilateral reunir os trabalhos prévios para a sua obra central filosófica sob o plano que apresenta como título determinante **“vontade de poder”**? Ao selecionarem a segunda das três posições fundamentais que projetam o plano da obra, os editores demonstraram uma grande compreensão. GA6MAC I Por meio daí também deve ser estabelecida a base a partir da qual a avaliação emerge e na qual ela precisa permanecer enraizada; pois a **“vontade de poder”** já é em si mesma um avaliar e um instaurar valores. GA6MAC I No entanto, para que a **“vontade de poder”** não permaneça por mais tempo uma mera expressão vazia, a interpretação do Capítulo IV deve ser caracterizada por uma consideração antecipadora. GA6MAC I Mas tomemos agora antecipadamente o decisivo: o que Nietzsche mesmo compreende pela expressão **“vontade de poder”**? O que significa vontade? O que significa vontade de poder? Essas duas perguntas são, para Nietzsche, apenas uma; pois vontade não é para ele outra coisa senão vontade de poder, e poder não é outra coisa senão a essência da vontade. GA6MAC I Nesse caso, a expressão **“vontade de poder”** não tem nenhum sentido? Ela não tem, de fato, nenhum sentido logo que se pensa vontade em sintonia com o conceito nietzschiano de vontade. GA6MAC I A expressão nietzschiana **“vontade de poder”** significa, consequentemente: vontade, tal como comumente se compreende esse termo, não é propriamente outra coisa senão vontade de poder. GA6MAC I A expressão **“vontade de poder”** não diz, em sintonia com a opinião habitual, que a vontade é, em verdade, um tipo de desejo, que apenas possui, ao invés da felicidade e do prazer, o poder como meta. GA6MAC I Para evitar, então, desde o início a vacuidade da palavra “vontade”, Nietzsche diz: **“vontade de poder”**. GA6MAC I O que Nietzsche denomina “força” esclarece-se para ele nos próximos anos como **“vontade de poder”**. GA6MAC II No entanto, uma vez que algo “novo e essencial” vem à tona com a expressão **“vontade de poder”** no interior do pensar nietzschiano, e, em verdade, visto em termos temporais, depois da experiência do pensamento do eterno retorno, é preciso que perguntemos como esses dois pensamentos – **“vontade de poder”** e “eterno retorno do mesmo” – se relacionam mutuamente. GA6MAC II O ano 1885 encerra ainda anotações (XVI, 415) nas quais é dito claramente o que Nietzsche compreende pela **“vontade de poder”** que assume agora o primeiro plano do trabalho: “Vontade de poder é o último fato ao qual se pode aceder.” GA6MAC II Por isso, esse termo **“vontade de poder”** ganha o título da obra central planejada. GA6MAC II É nesse sentido que, examinando os seus planos do período de ênfase na **“vontade de poder”** (XVI, 422), Nietzsche escreve: “A doutrina do eterno retorno: enquanto o seu (do niilismo) acabamento, enquanto crise.” GA6MAC II Na segunda versão, ele nos diz: “Esse mundo é vontade de poder – e nada além disso!” Uma vez mais nos vemos diante de uma questão que já veio ao nosso encontro muitas vezes: a questão acerca de se queremos permanecer presos apenas à diferença extrínseca do conteúdo literal das sentenças e dos termos “eterno retorno do mesmo” e **“vontade de poder”** – ou se sabemos que uma filosofia só é concebível quando tentamos pensar o que foi dito por ela. GA6MAC II Da mesma forma que não podemos nos ater apenas a um prelineamento inequívoco da junção dos três termos, uma vez que “eterno retorno”, **“vontade de poder”** e “transvaloração de todos os valores” se compertencem de maneira uniformemente cooriginária, certamente precisamos supor que o próprio Nietzsche viu por si possibilidades claras de configuração; pois, sem essa visão, a segurança da postura fundamental permaneceria incompreensível, uma segurança que brilha através de toda a multiplicidade de planos. GA6MAC II A determinação **“vontade de poder”** dá uma resposta à pergunta sobre o ente em vista de sua constituição; a determinação “eterno retorno do mesmo” dá uma resposta à pergunta sobre o ente em vista de seu modo de ser. GA6MAC II No entanto, o que retorna eternamente como o mesmo e, dessa maneira, é, ou seja, o que assim constantemente se presenta, tem a constituição da **“vontade de poder”**. GA6MAC II No sentido dado pelo pensador Nietzsche, o nome mítico Dionísio só se torna um nome transpassado inteiramente pelo pensamento quando tentamos pensar a copertinência entre **“vontade de poder”** e “eterno retorno do mesmo”, isto é, quando procuramos por aquelas determinações ontológicas que dirigem desde o início do pensamento grego todo pensar sobre o ente como tal na totalidade. – ( GA6MAC II Em torno dos heróis tudo se transforma em tragédia, em torno dos semideuses tudo se transforma em jogo satírico; e em torno de Deus tudo se transforma em… Como? Talvez em ‘mundo’?” – Quem é Nietzsche? Antes de tudo: quem ele será? Isso é algo que saberemos logo que estivermos em condições de pensar aquele pensamento que ele cunhou por meio da expressão **“vontade de poder”**. GA6MAC III Nietzsche é aquele pensador que percorreu o curso de pensamento até a **“vontade de poder”**. GA6MAC III a essência da vida é **“vontade de poder”**. GA6MAC III Mas o que significa, afinal, **“vontade de poder”**? Compreendemos sem dúvida alguma o que “vontade” significa, uma vez que experimentamos algo desse gênero em nós mesmos, seja no querer, seja mesmo no não querer. GA6MAC III Com isso, a expressão **“vontade de poder”** também parece clara. GA6MAC III Todavia, nada seria mais pernicioso do que se quiséssemos seguir as nossas representações habituais do dia a dia sobre a **“vontade de poder”** e então achar que sabemos por meio daí algo sobre o pensamento único de Nietzsche. GA6MAC III Ele tampouco coloca os dois meramente um ao lado do outro como **“vontade de poder”**: ele pensa o seu pensamento da **“vontade de poder”**. GA6MAC III Ao contrário, “vontade” e “poder” nunca permanecem senão artificialmente como conceitos parciais que emergem originariamente a partir da essência unificadora da **“vontade de poder”**. GA6MAC III De início, porém, também podemos tentar ser guiados até a identidade entre “eterno retorno do mesmo” e **“vontade de poder”** no campo de visão da metafísica e com o auxílio de suas distinções. GA6MAC IV Nietzsche reconhece e coloca como o caráter fundamental do ente na totalidade aquilo que ele denomina **“vontade de poder”**. GA6MAC V Essa expressão **“vontade de poder”**, que se tornou multiplamente corrente desde Nietzsche, também contém para ele a interpretação da essência do poder. GA6MAC V Ao contrário, **“vontade de poder”** significa: o apoderar-se do poder para a sua própria superpotencialização. GA6MAC V **“Vontade de poder”** é, em suma, o nome para o caráter fundamental do ente e para a essência do poder. GA6MAC V Ao invés de **“vontade de poder”**, Nietzsche também diz com frequência, de uma maneira que induz facilmente a incompreensões, “força”. GA6MAC V Todo ente é, porquanto ele é e porquanto é tal como é: **“vontade de poder”**. GA6MAC V O termo **“vontade de poder”** diz o que o ente é segundo a sua “essência” (constituição). GA6MAC V Os cinco títulos principais mencionados – “niilismo”, “transvaloração de todos os valores até aqui”, **“vontade de poder”**, “eterno retorno do mesmo”, “além-do-homem” – mostram a metafísica de Nietzsche em um aspecto a cada vez uno, mas respectivamente determinante do todo. GA6MAC V Portanto, só conseguiremos saber o que significa o “niilismo” no sentido de Nietzsche se concebermos ao mesmo tempo e em sua conexão aquilo que a “transvaloração de todos os valores”, a **“vontade de poder”**, o “eterno retorno do mesmo” são, assim como quem é o “além-do-homem”. GA6MAC V A partir da necessidade de pensar a essência do “niilismo” em conexão com a “transvaloração de todos os valores”, com a **“vontade de poder”**, com o “eterno retorno do mesmo” e com o “além-do-homem”, já é possível supor que a essência do niilismo é em si plurissignificativa, dotada de vários níveis e multiforme. GA6MAC V Psicologia” é a pergunta sobre o “psíquico”, ou seja, sobre o vivente no sentido daquela vida que determina todo devir no sentido da **“vontade de poder”**. GA6MAC V Certamente; a questão é que, como o caráter fundamental “daquilo que é real”, a vontade de poder não possui uma essência simples, o que já é expresso pelo próprio nome **“vontade de poder”**. GA6MAC V Na interpretação platônica da entidade do ente como idea falta todo rastro de uma experiência do ser enquanto **“vontade de poder”**. GA6MAC V Será que, em Nietzsche, então, a **“vontade de poder”** se abate sobre a metafísica como uma interpretação arbitrária do ente na totalidade, sem uma proveni-ência histórica? Nós nos lembramos, contudo, que o próprio Nietzsche esclarece a sentença de Descartes a partir da vontade de verdade e declara essa vontade como um tipo de vontade de poder. GA6MAC V Clarifica-se e solidifica-se o saber de que o caráter fundamental do ente seria a **“vontade de poder”** e de que toda interpretação do mundo proviria dessa vontade, uma vez que ela possuiria o modo de ser das instaurações de valores. GA6MAC VI Dessa forma, aquilo que a **“vontade de poder”** significa é tão completamente claro que só a contragosto acrescentamos uma explicitação particular a essa construção vocabular. “ GA6MAC VI A **“vontade de poder”** ainda expressa “um sentimento de falta”. GA6MAC VI Tais interpretações da vontade de poder, nas quais procuramos encontrar algo assim como um romantismo e uma perfídia, desfiguram o sentido da expressão fundamental da metafísica de Nietzsche; pois Nietzsche pensa de maneira diversa, quando fala sobre a **“vontade de poder”**. GA6MAC VI Como devemos compreender a **“vontade de poder”** no sentido de Nietzsche? A vontade é considerada como uma faculdade da alma, uma faculdade que a consideração psicológica já delimitou há muito em contraposição ao entendimento e ao sentimento. GA6MAC VI Essa aparência de arbitrariedade também pesa, inicialmente, sobre a apresentação daquilo que Nietzsche pensa ao proferir a expressão **“vontade de poder”**. GA6MAC VI Ao contrário, a junção de palavras na expressão **“vontade de poder”** denomina precisamente a simplicidade inseparável de uma essência articulada e única: a essência do poder. GA6MAC VI Vontade e poder, tomados a cada vez por si, solidificam-se e transformam-se em fragmentos conceituais arrancados à essência da **“vontade de poder”**. GA6MAC VI Ao invés de **“vontade de poder”**, Nietzsche também diz por vezes “força”. GA6MAC VI A **“vontade de poder”** designa aquilo que o ente enquanto tal é, ou seja, o que ele é em sua constituição. “ GA6MAC VI As cinco expressões fundamentais: **“vontade de poder”**, “niilismo”, “eterno retorno do mesmo”, “além-do-homem” e “justiça” correspondem à essência quintuplamente articulada da metafísica. GA6MAC VI A “recapitulação” já citada começa, porém, da seguinte forma: “Cunhar sobre o devir o caráter do ser – esta é a mais elevada vontade de poder” Algo desse gênero, a saber, o pensamento do devir como o pensamento do ser da totalidade do ente, ou seja, o pensamento da **“vontade de poder”** a partir do “eterno retorno do mesmo”, é realizado pela metafísica de Nietzsche como o ideal de sua mais elevada potência. GA6MAC VIII