====== GA10 – homem ====== Assim também não pode pois surpreender-nos o seguinte: em todos os lugares onde o representar humano procede não apenas de modo entendido mas também reflectidamente, também com o tempo se lhe torna expressamente claro que ele segue, o que só mais tarde é enunciado expressamente pelo estabelecido fixado princípio do fundamento. Isto – que o **homem** passa e fica em consequência do princípio do fundamento – ocorre lentamente ao **homem**. I O enunciado afirmativo: «Cada ente tem o seu fundamento» soa como um apuramento. Ele observa que cada ente é provido de um fundamento. Um apuramento pode, em consequência, ser examinado para se saber se é exacto e qual o alcance da sua exactidão. Poderemos nós agora verificar se cada ente tem um fundamento? Para realizarmos esta verificação, teríamos de trazer perante nós, cada ente que em qualquer altura e em qualquer lugar é, foi e será, para então examinarmos até que ponto ele tem um fundamento para si, em si. Uma tal verificação não é consentida ao **homem**. I Apenas casualmente é mencionado em primeiro lugar, que na moderna Física Atômica se prepara uma mutação da relação com os objectos, a qual no caminho através da técnica moderna altera por completo o modo de representar do **homem**. I O que significa «estimar qualquer coisa digna», no sentido da relação primordial grega do **homem** com aquilo que é? Estimar digno significa: revelar qualquer coisa na consideração em que ela permanece, e aí conservá-la. II O axioma mostra aquilo que permanece na mais alta estima e que com efeito não permanece aí, em consequência de uma avaliação que parta do **homem** e seja por ele atribuída. II Este pensamento axiomático já se encontra, sem que nós reparemos nisso e vejamos transparentemente o seu, a modificar o pensamento do **homem** de tal forma que ele possa adaptar-se à essência da técnica moderna. III Quem ponderar sobre este procedimento, reconhecerá no mesmo instante que o discurso muitas vezes escutado da mestria da técnica pelo **homem** tem origem num modo de representação, que apenas ainda se movimenta nas áreas periféricas daquilo que agora é. III A superfície, permanece igualmente o apuramento de que o **homem** actual se tornou um escravo das máquinas e dos aparelhos. III Porque uma coisa é a verificação disso; uma outra bem diferente será reflectir até que ponto o **homem** desta época não está apenas submetido à técnica, mas até que ponto é que ele deve corresponder à essência da técnica, até que ponto nessa correspondência se anunciam possibilidades primordiais de uma existência (Dasein) livre do **homem**. III Isto quer dizer: o fundamento é aquilo que deve ser entregue ao **homem** pensante, conceptualizante. III O reddendum, a reivindicação à entrega do fundamento, deslocou-se agora para se pôr entre o **homem** pensante e o seu mundo, para se apossar do representar humano de uma nova maneira. III O **homem** determina uma época da sua existência histórico-espiritual a partir do afluxo e da disponibilização (Beistellung) de uma energia natural. IV A existência do **homem** – formada pelo átomo. IV A Era Atômica é caracterizada como época planetária da Humanidade pelo facto do poder do princípio magno, do principium reddendae rationis, se desenvolver de um modo expatriado na área determinante da existência do **homem**, se não mesmo a desencadeia. IV É para que pensemos literal e objectivamente que o singular desencadeamento da reivindicação à entrega (Zustellung) do fundamento ameaça tudo o que é pátrio (Heimische) do **homem** e lhe rouba qualquer fundamento e solo para um enraizamento, isto é, para aquilo a partir do qual até agora cresceu cada uma das grandes Eras da Humanidade, cada espírito aberto para o mundo, cada formação da figura humana. IV Assim evidencia-se uma situação extremamente estranha do **homem** moderno, uma tal que vai contra todas opiniões habituais das representações quotidianas, na qual nós vagueamos como cegos e surdos: a reivindicação do princípio magno do fundamento a ser entregue retira ao **homem** contemporâneo o enraizamento. IV Também podemos dizer: quanto mais decisivamente for forjada a corrida para a sujeição das enormes energias, através da qual a necessidade energética do **homem** sobre a Terra deverá ser coberta para todos os tempos, tanto mais escassa será a riqueza do **homem**, na área do essencial para construir e para habitar. IV Assim o fez, uma vez, numa carta para Paccius, de 28 de Janeiro de 1695: «Naqueles místicos há algumas passagens, que são extraordinariamente audaciosas, cheias de metáforas difíceis e quase propendentes ao ateísmo, tal como eu observei a mesma coisa algumas vezes nos poemas alemães – de resto belos – de um certo **homem**, que se chama Johannes Angelus Silesius…» E Hegel diz, nas suas «Vorlesungen über die Aesthetik», o seguinte: «A unidade panteísta agora sublinhada por relação ao sujeito, que se sente nessa unidade com Deus, e Deus como esse presente na consciência subjectiva, é dada completamente pela Mística, como ela de este modo mais subjectivo também chegou a formação no interior do Cristianismo. V Os fundamentos, que como destinação de-terminam (be-stimmen) essencialmente o **homem**, têm origem na essência do fundamento. V Em contraste com a rosa, o **homem** vive muitas vezes assim, que ele cobiça como fazer efeito no seu mundo, e o que este dele pensa e exige. V Sem dúvida que estaríamos a pensar sucinto demais, se pretendéssemos afirmar que o sentido do aforismo de Angelus Silesius, se abre apenas para nomear a diferença dos modos, pelos quais a rosa e o **homem**, são o que são. V O indito do aforismo – e tudo gira em torno disto – diz pelo contrário que o **homem** mais oculto da sua essência, só é primeiramente verdadeiro quando ele ao seu modo, é assim como a rosa – sem porquê. V Certamente que o **homem** é em primeiro lugar um tal ser vivo, que no seu representar pode apresentar perante si um fundamento enquanto fundamento. ( VI O **homem** é, segundo uma definição tradicional, o animal rationale. VI Por isso o **homem** vive na relação representante com a ratio, como o fundamento. VI Ou deveríamos afirmar ao contrário: como o **homem** se encontra na relação conceptual com a razão, eis porque ele é um animal rationale? Ou mesmo esta inversão é insuficiente? Em qualquer caso o **homem** vive com a possibilidade, de representar o fundamento como fundamento. VI Por essa razão, se o ouvido se torna insensível, isto é, surdo, então pode ser que, como o caso de Beethoven demonstra, um **homem** ouça apesar disso, talvez até ainda ouça mais e mais grandiosamente do que antes. VI Goethe refere-se na introdução ao seu «Farbenlehre» (Teoria das Cores) àquele pensamento grego e consequentemente eu gostaria de expressá-lo em rimas alemãs: «Se a vista não fosse solar, / Como poderíamos ter a luz em vista? / Se não vivesse em nós de Deus a própria força, / Como nos poderia o divino debitar?» Parece que até hoje ainda não reflectimos o suficiente sobre em que é que consiste a solaridade da vista e onde é que a própria força de Deus se baseia em nós; em que medida é que ambos se relacionam e dão a indicação de um ser do **homem** pensado mais profundamente, o qual é o ser pensante. VI Este ouvido não está relacionado somente com o órgão auditivo, mas também simultaneamente com a pertença do **homem** àquilo sobre o que o seu ser está afinado. VII O **homem** permanece afinado por aquilo de onde o seu ser é con-finado. VII Na con-finação o **homem** é atingido e chamado por uma voz, que quanto mais pura soa, tanto mais silenciosa ela ressoa através do dito. VII A reivindicação potenciante (machtet) pela forma expatriada como energias naturais e o modo da sua preparação e aproveitamento determinam a existência histórica (geschichtliche Dasein) do **homem** sobre a terra. VII Que ocorre agora com o caminho do pensamento, que está a caminho para a physis? O caminho para lá recebe o seu próprio carácter do modo como o ser do ente é manifesto para o **homem** reconhecedor. VIII Isto quer dizer: a reivindicação do ser instala primeiramente o **homem** na sua essência. IX Que significa aqui «é imputável a nós, humanos», se a essência do **homem** se apoia em que ela seja reivindicada pelo ser? Que para nós o ente respectivo seja o mais manifesto e o ser o menos manifesto, isso pode apenas radicar na essência do ser, não em nos, «em nós» no sentido em que nós, por assim dizer, nos puséssemos, por nós, no vazio e na ausência de referências. IX Por conseguinte não é um qualquer atributo do **homem** concebido antropologicamente, que causa que o ser seja menos manifesto para nós do que o respectivo ente. IX O **homem** é o animal rationale. IX Segundo Kant, apenas se pode no relativo à razão (ratio), definir-se algo naquilo que isso é, e como isso é um ente para o ser vivo «**homem**». IX O ser remete-se ao **homem**, ao instalar, luminescente, um espaço de jogo temporal para o ente como tal. X Quando Kant, obedecendo ao motivo condutor do seu pensamento, reflecte sobre as condições da possibilidade a priori para a natureza e a liberdade, então este pensamento é como representação racional a entrega do fundamento suficiente para aquilo que ao **homem** pode ou não aparecer como ente, para o modo, como o aparecido pode aparecer e como não. X De tempos a tempos até parece como se esta fuga da história devesse remover as últimas barreiras, que ainda se opõem a uma completa e desenfreada tecnificação geral do mundo e do **homem**. X No que está perante desvenda-se o contra no que sobrevém ao **homem** percepcionador, espectador-ouvinte, o que sobrevém ao **homem**, a ele, que nunca se concebeu como sujeito para objectos. X Contra isso parecem estar as palavras de Hegel, que ele pronunciou a 22 de Outubro de 1818 na abertura do seu curso, na Universidade de Berlim: «A coragem da verdade, a fé no poder do espírito são a primeira condição do estudo filosófico; o **homem** deve honrar-se a si próprio e considerar-se na mais elevada dignidade. XI Na linguagem ainda desajeitada e provisória do ensaio «Sein und Zeit», de 1927, diz-se isto: o traço fundamental da existência (Dasein), que o **homem** é, é definido através da sua compreensão do ser. XI Compreensão do ser não significa nunca aqui, que o **homem** possua como sujeito uma representação subjectiva do ser e que este, o ser, seja uma simples representação. XI Compreensão do ser exprime que o **homem** segundo a sua essência está naquilo aberto do projecto do ser e que este compreender assim significado está pendente. XI Através da compreensão do ser assim experimentado e pensado, a concepção do **homem** como um sujeito, para falarmos com Hegel, é posta de lado. XI Apenas na medida em que o **homem** segundo a sua essência se encontrar numa clareira do ser, será ele um ser pensante. XI A história do pensamento é o envio da essência do **homem** a partir do destino do ser. XI A essência do **homem** é enviada com o destinado (Schicklichen) ao trazer à discussão o ente no seu ser. XI No fundo, o afirmado mesmo agora, não é outra coisa senão a interpretação da antiga definição da essência do **homem** antes meditada na pergunta pelo ser: homo est animal rationale; o **homem** é o ser vivo dotado de razão. XI Apenas na medida em que o **homem** é dotado (be-gabt), a partir do destino com o destinado, para pensar o ente enquanto tal, é o destinado como história do pensamento. XI Através da entrega do fundamento suficiente recebe esta representação aquela singularidade, que define a relação moderna do **homem** com o mundo, e isto quer dizer que possibilita a técnica moderna. XI Hoje qualquer pessoa utiliza, mencionando de passagem e para uma reflexão, na nossa língua comum a palavra «problema», assim por exemplo, quando o mecânico de automóveis, um **homem** honrado, que limpa as velas de ignição sujas e observa «Isto não é qualquer problema». XI Este modo habitual da nossa relação com o «ser» pertence necessariamente ao modo como o **homem** imediatamente e quase sempre, mantendo-se dentro do ente, corresponde ao destino do ser. XI Na medida em que o destino do ser toma a essência pensante do **homem** histórico na reivindicação destinável, apoia-se a história do pensamento no destino do ser. XII O destino do ser permanece em si a história essencial do **homem** ocidental, na medida em que o **homem** histórico é necessário no habitar edificante da clareira do ser. XII Como retirada destinável, o ser é já em si relação com a essência do **homem**. XII Através desta relação o ser não é contudo humanizado, senão que a essência do **homem** permanece através desta relação domiciliado na localidade do ser. XII Nós dizemos «antes» com ponderação, porque também assim não está afastada a suspeita, de que o ser se desdobra como algo separado do **homem**. XII Por que razão não? Porque o ser, ao remeter-se, produz o campo livre do espaço de jogo temporal e com isso o **homem** primeiramente num campo livre liberta as suas respectivas possibilidades essenciais remetidas. XII Pensado a partir da essência da língua, isto quer dizer: a língua fala, não o **homem**. XII O **homem** fala apenas ao corresponder destinadamente à língua. XII Mas este corresponder é o modo próprio, segundo o qual o **homem** pertence à clareira do ser. XII Uma tal interpretação da essência do **homem** e com isso daquilo que ele recebe no reddendum oferecido, teria sido estranha à Romanidade, apesar de já não ser tão decisivamente estranha como seria para o pensamento grego. XII É necessário apenas um olhar de boa vontade para a nossa Era Atômica para ver que, se de acordo com as palavras de Nietzsche, Deus está morto, o mundo calculado ainda permanece e põe o **homem** por toda a parte na sua conta, ao lançar tudo em conta no principium rationis. XII E continua: «A lei, o cálculo, o modo, como um sistema de sensibilidade, a totalidade do **homem**, se desenvolve como sob a influência do elemento, e a representação e a sensibilidade e o raciocínio têm a sua origem em diferentes sucessões, mas sempre segundo uma regra segura, é no trágico mais equilíbrio do que um simples sucessivo suceder». XIII Assim se remete pois o ser na retirada ao **homem** por um modo, através do qual ele oculta a origem da sua essência por trás do espesso véu do fundamento entendido racionalmente e das causas primordiais e suas configurações. XIII Apenas na medida em que o **homem** é trazido para este jogo e aí colocado em jogo, conseguirá ele verdadeiramente jogar e permanecer em jogo. XIII A maior, criança régia pela suavidade do seu jogo, é aquele segredo do jogo, no qual o **homem** e o seu tempo de vida trazido, é posto na sua essência. XIII Nós colocamos a terceira pergunta a respeito da ratio reddenda: para onde deve ser devolvido o fundamento? Resposta: de volta para o **homem**, que ao modo da concepção judicativa define os objectos como objectos. Conferência Mas representar é: repraesentare – fazer algo presente ao **homem**. Conferência Mas ora desde Descartes, a quem Leibniz e com ele o conjunto do pensamento moderno segue, o **homem** é experimentado como o eu que se relaciona com o mundo, que entrega este a si próprio em conexões de representação correctas, isto é juízos e assim se opõe como objecto. Conferência O fundamento é apenas um tal fundamento como a ratio, quer dizer como a conta que é prestada sobre algo perante o **homem** como o eu judicativo e para este. Conferência Este contar amplamente entendido é o modo como o **homem** recolhe, pretende e admite algo, isto é percebe algo em geral. Conferência Ainda mais: o **homem** de hoje corre o perigo de apenas poder medir a importância de tudo o que é grande à escala do domínio do principium rationis. Conferência Que existe nisso de especial? Pela primeira vez na sua História o **homem** interpreta uma época da sua existência histórica a partir do afluxo e preparação de uma energia da Natureza. Conferência A existência do **homem** matrizada pela energia atômica! Se a energia atômica é utilizada pacificamente ou é mobilizada belicamente, se uma se apoia na outra e a desafia, estas permanecem perguntas de importância secundária. Conferência Goethe bem pressentia como o infatigável da pesquisa, no caso de ela tão só e cegamente seguir o seu arrebatamento, extenua o **homem** e a terra na sua essência mais íntima. Conferência Information exprime por um lado a comunicação, que informa o **homem** contemporâneo o mais rápido, o mais abrangente, o mais inequívoco, o mais produtivo possível sobre a salvaguarda das suas carências, das suas necessidades e da sua satisfação. Conferência A informação é como comunicação também logo o instituir, que coloca ao **homem** todos os objectos e existências numa forma que é suficiente, para salvaguardar o domínio do **homem** sobre a totalidade da Terra e até sobre aquilo exterior a este planeta. Conferência Nós perguntámos, para introduzir um pensamento reflectido, se o **homem** moderno e actual ouvirá a reivindicação que fala a partir do poderoso princípio fundamental de toda a concepção. Conferência O **homem** actual escuta permanentemente o princípio fundamental do fundamento, ao tornar-se crescentemente um servo do princípio. Conferência Pois durante o invulgarmente longo período de incubação do princípio do fundamento, sempre ao **homem** ocidental se aconselha o dito do ser como o fundamento. Conferência Por consequência o **homem** é o animal rationale, o ser vivente, que exige conta e dá conta. Conferência O **homem** é segundo a definição mencionada o ser vivente contador, contar entendido no sentido vasto que a palavra ratio, uma palavra originalmente da linguagem de negócios romana, assume já em Cícero na altura em que o pensamento grego é transposto para a concepção romana. Conferência O **homem** é o ser vivente contador. Conferência Face a esta simples, e simultaneamente para a Europa, desenraizada correlação de coisas, nós perguntamos: A definição mencionada exaure que o **homem** seja o animal rationale, a essência do **homem**? Reza o último dito, que pode ser dito do ser: ser significa fundamento? Ou não permanece a essência do **homem**, não permanece a sua pertença ao ser, não permanece a essência do ser ainda sempre e sempre mais perplexamente o digno-de-ser-pensado? Podemos nós, se assim devesse ser colocado, abandonar este digno-de-ser-pensado em favor da correria louca do exclusivo pensamento calculador e dos seus enormes sucessos? Ou estamos prestes a determo-nos para encontrarmos caminhos, nos quais o pensamento consiga corresponder ao digno-de-ser-pensado, em vez de enfeitiçados pelo pensamento calculador pensarmos superficialmente no digno-de-ser-pensado? Esta é a questão. Conferência