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Semantik
terça-feira 26 de novembro de 2024
A “semântica” é uma espécie de palavrão nos círculos hermenêuticos, e não é inteiramente sem razão. Começando com o trabalho marcante de Gottlob Frege e Bertrand Russell, o termo passou gradualmente a funcionar como uma forma abreviada de se referir a uma abordagem particular da filosofia da linguagem, uma abordagem que toma as linguagens formais e artificiais concebidas pela lógica matemática como paradigma para a compreensão da linguagem em geral. Esta abordagem contrasta fortemente com o enfoque nos usos concretos, historicamente situados e culturalmente infletidos da linguagem que caracterizam a tradição hermenêutica. Quando Hans-Georg Gadamer usa o termo “semântica” (o que não é muito frequente), é normalmente neste sentido oposto. A semântica é uma alternativa à hermenêutica, que, na sua opinião, assenta num mal-entendido fundamental sobre a natureza da linguagem. Neste sentido, o objetivo primordial deste livro — articular a dimensão semântica da hermenêutica de Gadamer — deve parecer uma tarefa curiosa, se não mesmo uma missão completamente insensata.
No entanto, embora “semântica” possa funcionar como uma abreviatura de “semântica formal”, não precisa fazê-lo. No seu sentido mais geral e básico, “semântica” refere-se simplesmente ao estudo do significado, um estudo cuja questão fundamental é saber o que é o significado. Deste modo, a semântica formal representa apenas uma forma de empreender o empreendimento semântico, apenas uma resposta possível à questão básica que a semântica coloca. Outras são possíveis. Queremos reclamar este sentido mais lato de “semântica” porque pensamos que estas outras possibilidades — e, em particular, a que se encontra na hermenêutica de Gadamer — merecem ser ouvidas.
Entendida neste sentido, a semântica não é nada a que a hermenêutica precise de se opor. De fato, é algo que não pode evitar. Tal como qualquer relato de conhecimento pressupõe inevitavelmente algo sobre a natureza das coisas a serem conhecidas, e tal como qualquer relato de experiência tem de pressupor algo sobre a natureza do que é experienciado, também qualquer relato de compreensão pressupõe algo sobre a natureza do que é compreendido — isto é, algo sobre o sentido. Qualquer hermenêutica, em suma, implicará uma semântica. Isto não quer dizer que todos os pensadores que tenham articulado uma explicação da compreensão tenham também articulado uma explicação do sentido. A semântica implícita numa hermenêutica é, em muitos casos, apenas isso — implícita. Mas está implícita, mesmo assim. Os hermeneutas podem ignorar as questões semânticas, mas não podem, no fim de contas, evitá-las.
[DAVIA, C.; LYNCH, G. The event of meaning in Gadamer ’s hermeneutics. New York, NY: Routledge, 2024]