Golub (2019) – “sempre já”

Heidegger viaja no tempo em seus escritos, não no sentido metafórico de se mover de um tempo para outro, mas no sentido de chegar repetidamente ante tempo — nos dois sentidos de “ante”, ou seja, diante de e pré-ontologicamente, primordialmente. Sua filosofia avança por meio dessa anterioridade derivada de seu motor conceitual primordial Dasein, o chamado ser-aí, esse “aí” sendo-no-mundo, com os outros e (até mesmo) para si mesmo. O Dasein é uma espécie de ficção arbórea com muitos ramos linguísticos, cada um dos quais é desmontado e remontado para se chegar a uma ideia de relevância que se torna presente antes de chegarmos à linguagem como ela é comumente entendida. O face-a-face de Levinas assume um ser pré-social que alcança a alteridade que já está presente nos “entes do mundo interior” que somos. Essa viagem no tempo, portanto, é, assim como o próprio tempo, “sempre já” como uma ideia. A aparente redundância do “sempre já” é significativa no que diz respeito à aparência como uma forma autolimitada de entender o ser como um mero problema de um após o outro. O “sempre já” é, nesse nível, uma assinatura antitemporal (no sentido tradicional), que, à primeira vista, é o que de fato parece ser, na medida em que se pode dizer que a linguagem — outra forma de estruturar a aparência — “é” de forma significativa. “Ser e Tempo”, que se supõe expressar uma relação lógica entre seus dois componentes, usa ‘e’ para cobrir a ideia mais sutil de que essa relação não pode ser presumida, mas deve ser arduamente trabalhada a partir do que pode ser uma separação que o uso do ‘e’ evita com seu uso familiar. Cada “e” em Heidegger é também um “mas”, um movimento em direção a algo que se afasta de outra versão do que parecia ser a mesma coisa — um e o mesmo sendo um no mesmo como uma medida de distância, mesmo na comparação do que são sinônimos aparentes.

O “sempre já” de Heidegger, que funciona como um relógio, como uma compulsão que compeliu sua escrita, é mais uma imagem-pensamento da espacialidade do que um cálculo de tempo funcional. É a cola que mantém unida a estrutura existencial do Dasein, “cada aspecto do qual pode ser considerado o mais importante, a chave que abre todos os outros”. Isso reflete o sentido fluido e imbricado do próprio Dasein, um “fato” que Heidegger ilustra na reflexividade dos hifenatos nodais (sendo o ser-no-mundo o primeiro e o mais expansivo de muitos) que ele cunhou.1 Em sua busca pelo ser primordial, Heidegger assume o a priori subjetivo kantiano como um meio de sustentar a determinação de (um) caráter mundano. No lugar da subjetividade, Heidegger substitui a “autorreferência circunspecta, que se baseia em uma compreensão prévia da significação”. O espaço não é meramente ocupado por coisas. As coisas são encontradas em sua espacialidade, porque o Dasein “sempre já descobriu um ‘mundo’ que torna possível a existência das coisas em sua espacialidade”. As coisas no espaço e o próprio espaço são revelados por uma “totalidade referencial” sempre já existente, que é mais ampla do que o contexto tridimensional imediato que o mundo vê e que é visto como (sendo) o mundo. O Dasein nos permite abordar o mundo de forma circunspecta e “distanciá-lo”, trazê-lo para perto, prepará-lo para “tê-lo à mão”. No entanto, não é suficiente pensar que o encontras imediatamente desta forma (“à mão”). “‘O mundo’ como uma totalidade de coisas úteis à mão é espacializado para se tornar um contexto de coisas estendidas que estão meramente presentes.” Isso é importante para Heidegger, porque se conecta ao tema central de sua filosofia, que é determinar a ontologia anteriormente negligenciada do ser (-em, -de, -com, -para) que está por trás de tudo: “O fato de o espaço se mostrar essencialmente em um mundo não nos diz nada sobre seu tipo de ser”. Entrar no espaço não é entrar na presença, não é entrar na vivacidade, não é entrar na mão, mas é entrar em um ente que absorve os outros em sua multiplicidade, como uma noite com mil olhos. Fazer o espaço aparecer é fazê-lo nascer do ser. Heidegger afirma que não se pode entender o espaço sem confrontar “a problemática do ser do espaço (grifo meu)”, que é mais essencialmente ontológica do que se considerava antes e mesmo depois do seu aparecimento.2

  1. Lee Braver, Heidegger: Thinking of Being (Malden: Polity Press, 2016), 49.[]
  2. Martin Heidegger, Being and Time, trans. Joan Stambaugh, rev. Dennis J. Schmidt (Albany: State University of New York Press, 2010), (ET23:105, 102–3, ET23:110, 106–7, ET23), (ET24:110, 107, ET24:111, 107–8, ET4:112, 109, ET24:113, 110–11, ET24).[]