Wesen é um desses termos que Heidegger escutou com a maior atenção. O que é importante para nós compreendermos é que “Wesen” é uma palavra cuja ressonância é infinitamente mais rica do que a de um termo técnico. Em primeiro lugar, “Das Wesen” é a substantivação pura e simples do verbo “wesen”, muito utilizado na língua alemã desde a Idade Média até à época clássica. Este verbo caracteriza-se, nomeadamente, pela sua intensa vivacidade. Na língua antiga, era frequentemente combinado com dois outros verbos, “leben” (= viver) e “wirken” (= estar a trabalhar) — de modo que uma frase como “lebet und weset und wirket” [ele está vivo e a trabalhar] dá imediatamente uma ideia muito clara de como o ouvido alemão entende a palavra “Wesen”. Eu apenas consegui traduzi-la o melhor que pude, combinando os dois verbos que a envolvem: “leben” e “wirken”. Quando evocamos esta plenitude do ser no meio do trabalho, e a imaginamos como se nunca cessasse, não estamos muito longe, penso eu, do que estamos a tentar pensar com a palavra “Wesen”, tal como Heidegger nos convida a entendê-la.
O verbo “wesen”, vale a pena notar, dá à forma pretérita do verbo “ser” a sua forma: “war” — tal como o radical indo-europeu encontrado no grego φύσις fornece ao latim e ao francês a forma passada: fuit, il fut.
Na época em que este verbo era de uso corrente, “wesen” (tal como o sânscrito vasati: [75] habitar) era entendido como significando “permanecer”, “habitar” — mas tenhamos muito cuidado: no sentido em que habitar, se é de fato habitar no sentido fáctico de que estamos a falar, é a antítese de formar hábitos, uma vez que exige uma renovação contínua de invenções e iniciativas. Para nossa informação, e talvez também para aprendermos algo com ela, notemos que a antiga palavra francesa “estance” tinha exatamente este significado: a habitação, a permanência — por outras palavras, o fato de estar num lugar [stlocus], o que requer uma atenção sustentada e um trabalho constante.
Quando Heidegger dá indicações sobre o “Wesen”, gosta de o comparar com o verbo “währen”, que é, de fato, apenas o durativo de “wesen”. Basta pensar nisto: que durar, no sentido pleno, não implica de modo algum imutabilidade (será preciso acrescentar: muito pelo contrário?) — basta ter reparado nisto para começar a ver o abismo que se abre entre essência (no sentido tradicional) e o que Heidegger entende por “Wesen”.
“Das Wesen der Technik” — Jean Beaufret não traduz, e por uma boa razão! Para o fazer corretamente, teríamos de encontrar uma palavra ou uma frase em que se falasse de uma mutabilidade, ou melhor, para usar uma velha palavra da nossa língua: uma “muableté” — cuja marca seria, mais do que a capacidade de simplesmente se prolongar continuamente no tempo, uma verdadeira muance (lembrar-nos-emos de que costumávamos dizer “muance de terre” para: terramoto) — uma “muance”, portanto, em que predomina uma intensa capacidade de impulso sempre de novo. É pena que a palavra “mouvance” se tenha restringido a designar exclusivamente o fato jurídico [76] de um determinado domínio passar para outro. Péguy tentou uma vez dar à palavra o significado de: aquilo que dá movimento, aquilo que não pára de pôr as coisas em movimento.
Mas não importa que não tenhamos uma palavra para traduzir “Wesen”, desde que estejamos em condições de compreender o sentido em que deve ser tomada. “Das Unaufhaltsame des Wesens der Technik": trata-se da propagação que se expande e que, por isso, volta a animar ainda mais profundamente a irresistível onda do fenômeno que é a técnica, quando entendida do ponto de vista dessa plenitude que nela trabalha, e que Heidegger entende como ‘Wesen der Technik’.