Todo comportamento humano move-se e desenvolve-se num aberto, num mundo desvelado, onde não só as coisas, mas simultaneamente o agente atuante e as suas démarches e disponibilidade de atuação já estão pré-figuradas. A figurabilidade do mundo e do homem, o pôr-se-em Imagem da história, estão em dependência radical da fonte produtiva da imaginação. A liberdade real só pode ser entendida como poder de escolha entre várias possibilidades. As possibilidades, por sua vez, oferece-as a imaginação, que se alimenta da cultura, enquanto conjunto de todas as possibilidades.
Temos a propensão de compreender tanto a liberdade quanto a imaginação numa acepção visivelmente acanhada e errônea. A nossa liberdade pessoal e individual, a nossa capacidade de opção e criação finita se desenvolvem num teatro já “constituído”, por sua vez, por um poder incalculável e livre.
Alguns chamam esse poder de Vida, de Espírito criador, de Eu absoluto. Em consonância com o pensamento de Heidegger, preferimos considerar essas indicações como ainda oriundas de (181) uma forma metafísica de pensar, na medida em que identificam o Ser (ou o princípio desocultante original) como algo de ôntico ou intramundano. A vida, o Eu absoluto, a ideia, constituem pensamentos que aí estão, como possibilidades mentais acessíveis aos homens que somos. Nascem de uma interpretação e de uma compreensão das coisas e não nos fazem remontar ao puro domínio da fascinação imaginativa. O pensamento e o pensável, o pensamento pensado e o pensante, encontram nesse domínio a matriz e o seu modo-de-ser. Colocar-se-ia nessa altura de nossas congeminações o grave problema do grau de autonomia de nossa “liberdade” em relação à afirmação desvelante do Ser, ou da relação entre a “liberdade” fundada ou derelicta e a liberdade fundante. Essa última é a que experimentamos na irrupção projetiva de um determinado Mundo. Ora, no que diz respeito à nossa liberdade pessoal ou à nossa capacidade de escolher, lemos no livro Origem da Obra de Arte de Heidegger o seguinte: querer ou ser livre significa “o abandonar-se ek-stático do homem existente ao desvelamento do Ser”. Trata-se, portanto, de uma determinação da noção de “liberdade” que a visualiza como disponibilidade para as possibilidades autenticamente sugeridas pela cultura e pelo vir a ser das culturas. Não se trata mais da liberdade conceitualizada como causa segunda ou autodeterminação do sujeito individual, instalação do homem como microteos de um campo de ações próprias. Na intimização do homem com os desempenhos e modos-de-ser oriundos do ditado do Ser é que está a raiz profunda da liberdade, na consagração e cultivo das tarefas radicais da época histórica. (VFSTM:181-182)