SZ:283-285 – culpa (Schuld em STCastilho)

A elucidação do fenômeno da culpa, que não está necessariamente referida ao “ter dívida” [Schuldenhaben] e à violação de direito [Rechtsverletzung], só pode então ser bem-sucedida se antes se pergunta em seu princípio pelo ser-culpado [Schuldigsein] do Dasein, isto é, se se concebe a ideia de “culpado” [schuldig] a partir do modo-de-ser [Seinsart] do Dasein.

Para esse fim, a ideia de “culpado” deve ser tão amplamente formalizada, que dela se excluam os fenômenos vulgares de culpa referidos ao ocupado ser-com com os outros [besorgende Mitsein mit Anderen]. A ideia de culpa não deve se elevar somente sobre o âmbito da ocupação calculadora [verrechnenden Besorgens], mas deve também ser afastada da relação a um dever [Sollen] ou a uma lei [Gesetz] que, descumprida, faz que alguém incorra em culpa. Pois também aqui a culpa ainda seria necessariamente determinada como defeito [Mangel], como falta [Fehlen] de algo que deve ser e pode ser. Mas faltar significa não-subsistência [Nichtvorhandensein]. Defeito como não-subsistência de algo devido é uma determinação-de-ser do subsistente [Seinsbestimmung des Vorhandenen]. Neste sentido, nada pode faltar essencialmente à existência [Existenz] não porque esta seria perfeita, mas porque o seu caráter-de-ser [Seinscharakter] permanece distinto de toda subsistência [Vorhandenheit].

Entretanto, há na ideia de “culpado” o caráter do não [Charakter des Nicht]. Se o “culpado” deve poder determinar a existência, com isso surge então o problema ontológico de elucidar existenciariamente o caráter-de-não desse não [Nicht-Charakter dieses Nicht]. Além disso, pertence à ideia de “culpado” o que no conceito de culpa é expresso indiferentemente como “ser-responsável de”, ser-fundamento para… A ideia existenciária formal [formal existenziale Idee] do “culpado”, nós a determinamos, portanto, assim: ser-fundamento de um ser determinado por um não [Grundsein für ein durch ein Nicht bestimmtes Sein] – isto é, ser-fundamento de uma nulidade [das heißt Grundsein einer Nichtigkeit]. Se a ideia do não que reside no conceito de culpa existenciariamente entendido exclui a referência a um possível ou a um exigido subsistente; se o Dasein em geral não deve ser medido, portanto, por um subsistente ou pelo válido, pelo que não é ele mesmo ou que não é do seu modo, isto é, que não existe, fica eliminada a possibilidade de considerar em relação ao ser-fundamento de um defeito, o ente mesmo que é esse fundamento como “defeituoso”. A partir de um defeito “causado” conforme-ao-Dasein – o não cumprimento de uma exigência – não se pode pura e simplesmente inferir em retrospecto o defeituoso da “causa” [Mangelhaftigkeit der »Ursache«]. O ser-fundamento-de… [Das Grundsein für…] não necessita de ter o mesmo caráter negativo que [777] o privativum que nele se funda e dele resulta. O fundamento não necessita só ter retroativamente a nulidade do seu fundamentado. Mas nisto reside, então, que o ser-culpado não é o resultado de uma inculpação [Verschuldung], mas, ao contrário: esta só é possível “sobre fundamento” de um ser-culpado originário. Algo semelhante pode ser mostrado no ser do Dasein e o modo como em geral isso é existenciariamente possível ?
[…] Tanto na estrutura da dejecção [Struktur der Geworfenheit] como na estrutura do projecto [Entwurf] reside essencialmente uma nulidade. E esta é o fundamento para a possibilidade da nulidade do Dasein impróprio no decair [Verfallen] em que o Dasein cada vez está factualmente [faktisch]. A preocupação [Sorge] ela mesma, em sua essência, é permeada de nulidade de ponta a ponta. A preocupação – o ser do Dasein [das Sein des Daseins] – significa, por conseguinte, como projeto dejectado [geworfener Entwurf]: o nulo ser-fundamento de uma nulidade [Das (nichtige) Grund-sein einer Nichtigkeit]. E isto significa: o Dasein é, como tal, [781] culpado, supondo-se de outro modo correta a determinação existenciária formal da culpa como ser-fundamento de uma nulidade. [SZ:283-285; STCastilho:775, 777, 779, 781, 783]