GA18:33-35 – ousia como Dasein

Nós nos limitamos a listar alguns caracteres ontológicos. O que é importante, entretanto, é ver como nesses diferentes caracteres de ser uma concepção determinada de ‘aí’ é expressa, como, portanto, esses diferentes caracteres ontológicos são caracteres determinados do significado de ‘aí’ e como o grego entende ‘aí’. Para esse propósito, já temos uma diretriz na forma do significado atual de οὐσία (ousia) no sentido daquilo que está ‘disponível’ (Verfügbaren), ‘presente’ (Gegenwärtigen), ou daquilo que está simplesmente presente (Vorhandenen) no sentido de ‘propriedade’ (Anwesens) ou ‘patrimônio’ (Besitzstandes).

Tentemos adquirir uma orientação fundamental com relação aos caracteres ontológicos verificando, para esse fim, em que medida todos esses caracteres do ser, um tanto diferentes na aparência, podem ser referidos como caracteres do ‘Aí’. Oὐσία significa ‘(Dasein)’, e não tem um sentido genérico de ser — que, em última análise, não se dá de qualquer maneira. Oὐσία é a forma contraída de παρουσία (parousia), “estar presente” (Gegenwärtigsein). Mais frequente é seu oposto, o ἀπουσία (apousia), ‘ausência’ (Abwesenheit), que, no entanto, não significa simplesmente ‘nada’ (Nichts), mas: algo é aí, mas é aí em uma falta. Ver com um olho é ver no ἀπουσία. O ἀπουσία é a base ontológica para a categoria fundamental de στέρησις (steresis). Vamos agora tentar fornecer uma orientação fundamental para os caracteres acima mencionados de ‘aí’.

1. ῾ϒποκείμενον (hypokeimenon),1 ‘simplesmente estar presente’ (Vorhandensein), a ‘simples presença’ de algo (Vorhandenheit). Esse caráter ontológico está ligado ao “ser” no sentido do significado atual: significa o ente que ‘aí’ é não apenas como sendo-aí, mas, por exemplo, também no sentido daquilo em que o poder está — o campo, a terra, o céu, a natureza, as árvores — em suma, aquilo que está presente como a entidade na qual a vida concreta vive sua existência. Oὐσία, portanto, significa simples presença, sem a necessidade de eu fazer algo a mais para o ser dessa entidade que ‘aí’ é.

2. Aἴτιον (τοῦ εἶναι) ἐνυπάρχον.2 Exemplo: ψυχή (psyche).3 A ‘alma’ (Seele) é οὐσία no sentido de que ela constitui o ser de uma entidade que tem o caráter de um ser vivo (Lebenden). Um ser vivo tem um ser totalmente característico: a) Ele ‘é aí’ no sentido do ὑποκείμενον, ele é aí, como pedras e mesas. b) Entretanto, o homem não fica no caminho como uma pedra, mas caminha sob as árvores. Eu o encontro em algum lugar, mas seu ser aí como uma presença que vem a mim, como ‘o mundo’, é caracterizado pelo fato de que é no modo de ‘ser no mundo’, é na medida em que tem uma orientação. O homem, então, ‘é aí’ no sentido de que é no mundo, de tal forma que tem seu mundo; e tem seu mundo em virtude do fato de que tem a ver com ele. Como um caráter do ser, ψυχή é um excelente caráter dele, que inclui o ser como ὑποκείμενον.

3. Μόριον ἐνυπάρχον,4 que constitui o possível ser de algo: o ponto, por exemplo, a linha, o número como um autêntico caráter ontológico, já que número é limitação. No entanto, o número e o ponto, etc., são caracteres ontológicos somente se for possível demonstrar que, para os gregos, a limitação e o ser limitado são o caráter autêntico do ser.

4. Τὸ τί ἦν εἶναι (to-ti-en-einai).5 A composição já indica que estamos lidando aqui com todo um complexo de determinações ontológicas que desvendaremos mais tarde. Estar no caráter do τὸ τί ἦν εἶναι é o tema peculiar daquele λόγος (logos) que agora trataremos como ὁρισμός (horismos). Esse caráter ontológico é o do ἕκαστον (ekaston). Cada entidade que ‘aí’ é, em seu ser de tempos em tempos (Jeweiligkeit), é determinada pelo τὸ τί ἦν εἶναι.

Na recapitulação dos caracteres ontológicos, ainda aparece um quinto: 5. εἶδος (eidos),6 também entendido por Aristóteles como significando ‘espécie’ (Art). Não fica claro, porém, por que εἶδος significa ‘espécie’, e γένος ‘gênero’ (Gattung), se não se sabe que εἶδος é um caráter ontológico definido: entende-se, antes de tudo, o ente que ‘aí’ é em sua “aparência. Quando um construtor constrói uma casa, ele vive e se move, antes de tudo, no εἶδος da casa, no como de sua evidência.

O τὸ τί ἦν εἶναι implica a determinação do ἦν: o ser de um ente, e precisamente com referência ao que ele era, à sua origem (Herkunft). Se o ser humano é definido como ζῷον λόγον ἔχον (zoon-logon-echon), então falar (Sprechen) vem de seu ‘ser-ζῷον’, ‘ser-“ser vivo”’ (»Lebewesen«-Sein) — este é seu γένος. Uma entidade que ‘existe’ eu a vejo em referência ao seu ser, a como ela é aí na medida em que vem de… Um ente que ‘aí’ é, o vejo adequadamente em seu ser se o apreendo em sua história: o ente que ‘aí’ é, neste modo, vindo ao ser a partir de sua história. Esse ente, como sendo-aí (Daseiende) dessa maneira, é finito, chegou ao seu fim, à sua finitude (Fertigkeit), assim como a casa, em seu εἶδος como ποιούμενον, é finita. O ὑποκείμενον (hypokeimenon) já está terminado, não há necessidade de produzi-lo em primeiro lugar. O corpo (Körper) obtém sua finitude por meio da superfície (Fläche).

Resumindo, Dasein significa: 1. primariamente presença atual, presente, 2. ser finito, finitude — os dois caracteres de “aí” entre os gregos. Em ambos os casos, todo ente deve ser interpretado com referência ao seu ser.

  1. Met. Δ 8, 1017 b 13 sg.[]
  2. Met. Δ 8, 1017 b 15.[]
  3. Met. Δ 8, 1017 b 16.[]
  4. Met. Δ 8, 1017 b 17.[]
  5. Met. Δ 8, 1017 b 21 sg.[]
  6. Met. Δ 8, 1017 b 26.[]