Harada (2021) – Autonomia

A palavra autonomia é grega e se compõe de auto e nomia. E significa independência, liberdade, o modo de ser dos que vivem segundo a sua própria lei. A palavra auto significa mesmo, em si, por e para si, pessoalmente, a partir de si. Mas propriamente auto indica um movimento, o movimento que podemos circunscrever como erguer-se a si mesmo, destacar-se, realçar-se, alçar-se, colocar-se a si mesmo a partir de si. Nomia vem de nomos, que usualmente traduzimos por lei, prescrição, ordem, mas também significa uso, costume, hábito, os costumes. Nomos por sua vez vem do verbo nemo (nemein) que significa repartir, partilhar; outorgar, conceder, conferir; receber como sua parte em uso, possuir; dominar, reger, administrar; habitar, cultivar a terra etc. Etimologicamente parece que o radical nem significa propriamente dobrar, curvar. O que têm todas essas significações variantes a ver com autonomia?

Numa conjetura diletante e “chutada” talvez se possa dizer que todas essas significações da palavra auto e nomos (nemo), de algum modo indicam um modo todo próprio de ser do empenho humano.

Tudo no ser humano é um erguer-se a si mesmo e nesse movimento constituir-se como ele mesmo. Nada no homem é ocorrência, nada nele é simplesmente dado, nenhum momento nele e dele é fato, mas sempre e cada vez de novo um ter que ser. Mesmo para o homem ser uma simples ocorrência, p. ex., ficar deitado num “dolce far niente” na cama, ele deve se alçar a si mesmo a partir de si. Isto ele não vê, se fica na cama ocasionalmente, mas se ficar, p. ex., três dias seguidos, sentirá com certeza o peso da fadiga do empenho do “far niente”. Com outras palavras, para o homem ser, ele deve ser auto. Por isso, o termo auto de auto-móvel ou auto-mático, por exemplo, empregado para se referir a uma máquina, denota uma incompreensão total da palavra auto. O empenho humano e o próprio humano como tal, como o movimento de ter que ser, de ter que se pôr, se colocar a si mesmo a partir de si, têm o modo de ser de partilhar, repartir, não tanto no sentido usual dessas palavras, i.é, de distribuir, mas no sentido de uma referência ao ato de curvar(-se) e dobrar(-se). Isto é, em todo nosso empenho humano, o homem se dobra, se curva e nesse encurvamento, nessa dobra, se partilha a si, se participa de si, se dá, se outorga, se concede, e se confere a si mesmo e se recebe a si mesmo como sua parte em uso.

[HARADA, H. De Estudo, Anotações Obsoletas: A Busca da Identidade Humana e Franciscana. Petrópolis: Vozes, 2021]