Luijpen – Uma árvore florida no prado

LUIJPEN, Wilhelmus Antonius Maria. Introdução à fenomenologia existencial. Tr. Carlos Lopes de Mattos. São Paulo: EDUSP, 1973

Desde Descartes e Locke acreditava-se ser objetivo só o mundo-para-o-físico. O passo seguinte foi que também no ato de perceber o mundo se designava como objetivo unicamente o que as ciências podiam dizer sobre ele.

Mas o que há propriamente a esse respeito ? Parece a coisa mais trivial do mundo “pretender” falar, p. ex., de uma árvore florida no prado ! Tratando-se da percepção de uma árvore, a física, a fisiologia e a psicologia podem falar tanto da árvore como da percepção dela. Registam toda espécie de processos físicos, fisiológicos e psicológicos. Com o auxilio de instrumentos conseguem tornar acusticamente perceptíveis os processos cerebrais, gravando seu decurso em curvas. Que sentido tem, porém, querer falar só assim da percepção de uma árvore florida no prado ? Deve reduzir-se uma árvore florida a um vácuo em que se acham dispersas aqui e ali forças elétricas, movendo-se de um lado para outro com grande velocidade ?1 Não tem, pois, nenhum sentido dizer que “naturalmente” percebemos uma árvore florida, para depois submetê-la aos ingredientes de várias ciências, deixando-as decidir o que há de real na árvore florida e o que não há. Donde têm as ciências a competência de julgar a tal respeito ? Em se tratando da percepção de uma árvore, não devemos deixar a árvore ficar onde está ? Ela não é uma série de processos em nosso cérebro, mas uma árvore-no-prado.2 O que as ciências falam é verdade, e, entretanto, “tudo nelas permanece problemático”.

Mas o que permanece problemático ? A resposta não será difícil. A questão que fica de pé é como os cientistas sabem de que propriamente falam. Quando os cientistas tornam acusticamente sensíveis os processos cerebrais de toda espécie, registrando-os em curvas, e quando falam de cargas elétricas que se movem em várias direções com grande velocidade, não falam nada, se não admitem que afinal tentam falar sobre a percepção de uma árvore em flor ! Na realidade eles sabem do que falam, porque subentendidamente julgam ser a percepção “comum” de uma árvore florida no campo mais original do que os ingredientes de suas diversas ciências. Nesse caso, porém, não há sentido algum em pretender submeter a árvore florida no campo a um sistema de sentidos descobertos pelas ciências, e também em desejar submeter a própria percepção a ingredientes das ciências.3

Agora compreendemos o que Husserl tinha em mente ao lançar sua fenomenologia como um “método de fundamentar”. Sua “volta às coisas mesmas”4 equivalia a um brado de retorno à experiência original do mundo original. O mundo-para-o-físico não é o mundo original, mas construído sobre o mundo original.5 A experiência da ciência natural não é a original, mas fundada na experiência original.6 Uma fenomenologia do conhecimento deve submeter a uma crítica fundamental os preconceitos tradicionais a respeito da definição do conhecimento. Este há de ser explicado como ocorre de modo integral.7 Trata-se “de restituir à experiência seu peso ontológico”.


  1. “De repente, abandonamos tudo, quando as ciências (a física, a fisiologia e a psicologia), juntamente com a filosofia científica, com todo o aparato de seus argumentos e provas, explicam que não percebemos propriamente nenhuma árvore, mas na realidade um vácuo, onde se acham dispersas, aqui e ali, forças elétricas, que se movem de um lado para outro com incrível velocidade”. M. Heidegger, Was heisst Denken ?, Tübingen, 1954, p. 18. 

  2. “Mas onde fica.. . nas ondas cerebrais cientificamente registráveis a árvore florida ? Onde fica o prado ? Onde fica o homem ?” M. Heidegger, op. cit., p. 17. 

  3. “Por mais afastada que a física moderna esteja da percepção, ela estaria absolutamente ‘no ar’, se, afinal, não nos explicasse que as maçãs caem das árvores, mas nunca tornam a subir, que a água das geleiras desce para o mar, sem jamais subir a encosta que conduz ao cume”. A. de Waelhens, La philosophie et les expériences naturelles, La Haye, 1961, p. 52. 

  4. Em alemão: “Zurück zu den Sachen selbst”. O texto aqui citado diz: “Não é das Filosofias que deve partir o impulso da investigação, mas, sim, das coisas e dos problemas”. E. Husserl, Philosophie ais strenge Wissenschaft, em: Logos, I (1910-1911), p. 340. 

  5. “O mundo ‘verdadeiro’, pensado e construído pela ciência, não pode edificar-se sem apoio no mundo do ‘senso comum’, cuja realidade a ciência finge contestar”. A. de Waelhens, op. cit., p. 51, 

  6. “Não se tem jamais base para interpretar esta experiência espontânea… em função do saber científico, e, menos ainda, para lhe integrar elementos ou realidades que dependem desse saber”. A. de Waelhens, Signification de la phénoménologie, em: Diogène, V (1954), p. 59. 

  7. “(A fenomenologia) esforça-se por conceber a filosofia como a explicitação da experiência humana integral”. A. de Waelhens, art. cit., p. 60.