Kampf, combate, luta
“De todos a guerra (combate, luta) é pai, de todos é rei; uns indica deuses, outros homens; de uns faz escravos, de outros, livres” (Heráclito, Fragmento 53, tr. Alexandre Costa)
No início da sentença, acha-se grande e simples: πόλεμος, guerra1. Tem-se em mente não a ocorrência externa, nem a primazia do “militar”, mas o decisivo: fazer frente ao inimigo. Traduzimos por “luta”, para reter o essencial; por outro lado, porém, deve-se levar em conta que não se fala de άγων, competição, em que dois adversário amigos medem suas forças, mas luta de πόλεμος, isto é, há seriedade na luta; o adversário não é companheiro, mas inimigo. A luta como enfrentamento do inimigo, ou mais explicitamente: a resistência no conflito.
πόλεμος, luta (enfrentar o inimigo) abrange e atravessa πάντα, tudo; πάντων – o sendo na totalidade, tudo em tudo. Daí retiramos, já de saída, o alcance da sentença; ela atinge não apenas a luta enquanto comportamento humano, mas todo sendo. E a luta não se reduz apenas à mera manifestação colateral (sem dúvida, contínuo, mas que apenas ocorre junto), mas o seguinte: o que determina o sendo em seu todo, determina de modo privilegiado e distributivo. E isso sempre de duas formas diferentes.
πατήρ – βασιλεύς, mas apenas junto a “pai”, educador, ainda também senhor, mas numa distinção nítida um do outro, embora, ao mesmo tempo, em relação recíproca pelo μέν – δέ. Em consequência, “pai” tem um sentido profundo. Isso quer dizer, primeiro: a luta não faz apenas surgir o sendo para o que, cada vez, ele, então, é; ela dirige e regula não apenas o originar-se, mas domina-lhe também a persistência; o sendo só está em sua persistência e vigência quando é preservado e governado pela luta, como seu senhor. A luta, portanto, não se retira das coisas tão logo tenha assomado à realidade, mas justamente tal persistência e realidade é que, então, só se dá em sentido próprio na luta. Só assim é que o ângulo completo de poder da luta se torna claro, tal como ele já sempre rege continuamente em todo sendo como sendo, isto é, perfaz e constitui o sendo em seu ser.
A luta atravessa com sua dupla regência o todo do sendo como poder de geração e como poder de conservação. Não é preciso dizer que onde não há nem reina luta instala-se, por si mesmo, paralisia, nivelamento, equivalência, mediania, inocuidade, estiolamento, fragmentação e capricho, decadência e derrocada, breve: o desaparecimento.
Isso significa: os poderes da destruição e ruína moram no próprio sendo; somente na luta e pela luta é que tais poderes são dominados e controlados. E mesmo assim, esses poderes são ainda tomados de modo demasiado negativo e não em sentido dos gregos. Pois, no fundo, eles irrompem como o descontrolado, o desenfreado, o intoxicado e selvagem, o furioso, o asiático. Temos de nos precaver de desvalorizar e desfazer desses poderes com os parâmetros cristãos do mal e do pecado e assim reduzi-los à negação. Luta também não tem o sentido de briga e rixa provocada e arbitrária; a luta é necessidade das mais íntimas do sendo em seu todo e por isso se explica com e entre os poderes primordiais. O que Nietzsche chama de apolínio e dionisíaco são os poderes contrários desta luta. (HEIDEGGER, Martin. Ser e Verdade. 1. A questão fundamental da filosofia. 2. Da essência da verdade. Tr. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Petrópolis, 2007, p. 105-106)
VIDE: (Kampf->http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexikon/search.php?option=1&term=Kampf)
As duas partes principais da sentença: 1. até καί, 2. até finis. ↩